sexta-feira, junho 30, 2006
A Deusa do Amor e da Beleza
A tradição indiana é extremamente rica em relação a deusas. Seus nomes e manifestações são tão variados que qualquer vila ou escritura, qualquer arte e artista criam suas próprias imagens dela. Algumas vezes ela é a consorte, outras uma deusa da fertilidade; às vezes ela é benevolente mas ela também pode ser horrível e má. A tradição é cheia principalmente de deusas associadas a Shiva. Mas a mais amada e celebrada artisticamente é Parvati. Ao contrário de Durga e Kali, que assumiram seus status religiosos independentes no panteão Hindu e são adoradas e veneradas ritualmente, Parvati tem atenção maior de poetas e pintores, músicos e dançarinos.
Seus aspectos são variados, seus atributos são múltiplos e muitos são seus nomes. De todos os seres míticos no panteão Hindu ela é talvez a mais amada e sem dúvida a que mais doa seu amor. Nela temos a verdadeira celebração da feminilidade Hindu. Com uma beleza sensual incomparável, seu dom não é somente físico mas espiritual, não narcisístico mas sim um oferecimento. Nela pode-se dizer que reside a grande personificação da expressão Hindu, assim como o conceito de beleza.
Na mitologia clássica, a razão de ser do nascimento de Parvati é atrair Shiva para o casamento e por conseqüência ao ciclo maior da vida casada da qual ele está afastado como um asceta solitário, vivendo nos ermos das montanhas. A deusa representa o pólo complementar ao asceta. Em seu papel de donzela, esposa, e depois como mãe, ela amplia o círculo de atividade de Shiva ao reino do lar, onde sua energia armazenada é liberada de maneiras positivas.
O nome de Parvati, que significa “ela que reside nas montanhas” ou “ela que é da montanha”, identifica-a com regiões montanhosas. Ela era a filha de Himavat (Senhor das montanhas) e sua rainha Mena. Ela é geralmente descrita como sendo muito bonita. Mostrou um interesse forte por Shiva desde o começo, repetindo seu nome para si mesma e aprazendo-se ao ouvir sobre suas aparições e proezas. Enquanto ela é ainda uma criança, um sábio vai a sua casa e após examinar as marcas em seu corpo prediz que ela se casará com um yogi nu. Quando fica claro que ela está destinada a se casar com Shiva, seus pais sentem-se extremamente honrados. Parvati, é claro, também fica radiante.
Em uma ocasião, enquanto Parvati está tentando chamar a atenção de Shiva para o casamento, Kama é enviado pelos deuses para despertar em Shiva o desejo. Quando ele atrai a atenção de Shiva com sons e cheiros de primavera, e tenta perturbar Shiva com suas armas intoxicantes, Shiva queima-o a cinzas com seu terceiro olho. Mas imperturbável em sua devoção, Parvati persiste em sua busca para ganhar Shiva como seu marido fazendo austeridades.
Uma das maneiras mais eficientes de conseguir o que se quer no hinduísmo tradicional é fazer tapas, “austeridades ascéticas”. Se você for persistente e heróico o suficiente, você irá gerar tanto calor que os deuses serão forçados a garantir-lhe qualquer desejo para salvar a si e o mundo de serem queimados. O método de Parvati para ganhar Shiva é portanto, uma estratégia comum para realizar seus desejos. É também apropriado para demonstrar a Shiva que ela pode competir com ele em seu próprio reino, que ela possui os recursos interiores, controle e coragem para se isolar do mundo e dominar completamente suas necessidade físicas. Fazendo tapas, Parvati abandona o mundo do lar e adentra o reino do mundo renunciante, chamado de mundo de Shiva. A maioria das versões do mito descreve-a superando todos os grandes sábios em suas austeridades. Ela faz todas as mortificações tradicionais, como sentar-se no meio de quatro fogueiras no meio do verão, expor-se aos elementos durante a estação das chuvas e durante o inverno, viver apenas de folhas ou ar, permanecer apoiada em uma perna por anos, etc. Até que ela acumulou tanto calor que os deuses ficaram incomodados e persuadiram Shiva a ceder ao pedido de Parvati, para que ela parasse seus esforços.
O casamento é devidamente arranjado e elaboradamente empreendido. A procissão do casamento de Shiva, que inclui a maioria do panteão Hindu, é descrita em detalhes. Um tema freqüente durante as preparações do casamento é a indignação de Mena quando ela finalmente vê Shiva pela primeira vez. Ela não pode acreditar que sua linda filha vai se casar com um indivíduo tão ultrajante; em algumas versões, Mena ameaça suicídio e desmaia quando dizem para ela que aquele ser esquisito na procissão de casamento é, na verdade, seu futuro genro.
Depois que os dois estão casados eles partem para o Monte Kailasha, a moradia favorita de Shiva, e mergulham completamente em flerte sexual, que continua ininterruptamente por um longo tempo. O deus do amor, Kama, é ressuscitado quando Shiva abraça Parvati e o suor do corpo dela mistura-se com as cinzas do deus queimado.
O amor dos dois é tão intenso que chacoalha o cosmos, e os deuses ficam assustados. Eles se aterrorizam com a idéia da criança que surgirá com a união de duas deidades tão poderosas. Eles temem os poderes extraordinários da criança. Então eles planejam interromper o ato de amor de Shiva e Parvati. Vishnu vai com seu séqüito de deuses a Kailasha e espera pacientemente do lado de fora dos aposentos de Shiva. Muitos anos se passaram e Shiva continuava trancado no quarto com Parvati. Vishnu falou com uma voz aguda e lamentosa e convenceu Shiva a sair e ouvir seu problema. Quando Shiva descuidou-se, Agni (Fogo) disfarçou-se de pombo e entrou no quarto de Shiva. Parvati percebeu imediatamente que sua privacidade havia sido violada. Shiva recolheu-se e uma gota de seu sêmen caiu no chão. Agni, na forma de pombo, comeu a gota de sêmen. Parvati no entanto ficou perturbada e com raiva pelos deuses terem se juntado e interrompido seus prazeres eróticos, e amaldiçoou-os dizendo que todas suas esposas ficariam estéreis. Ela estava irritada principalmente com Agni, por ter comido a semente de Shiva.
Quando Agni ficou impossibilitado de carregar a semente de fogo, ele foi para as margens do Ganga. Nesse momento, as esposas de sete sábios tinham decido para se banhar. Seis delas sentiram frio e foram na direção de Agni. Agni derrubou a semente e a semente entrou nas esposas e elas ficaram grávidas. Quando os sábios ficaram sabendo disso, eles advertiram suas esposas, que colocaram o embrião em um dos picos do Himalaia. Assim nasceu Kartikeya, uma criança resplandecente com seis cabeças. Shiva e Parvati ficaram deliciados com o nascimento de seu filho e isso somou muita alegria a Parvati, que havia desejado uma criança. Diz-se que, por afeição, de seus seios escorreu leite quando ela viu a criança pela primeira vez.
Os instintos maternais de Parvati foram, na verdade, as emoções mais poderosas na vida dela. Enquanto Shiva entusiasmava-se com seu gracejo romântico, a verdadeira mãe nela pedia por uma criança. Ela implorou a Shiva para gerar nela um filho e torna-la mãe mas o Shiva ascético não ouviu nada disso. Ela lembrou-o de que nenhum rito ancestral é feito para um homem que não tem descendentes. Shiva declarou que ele não tinha nenhuma vontade de ser um grahastha, chefe de família, pois isso traz restrições. Parvati ficou desolada e ao vê-la nesse estado Shiva puxou um fio de seu vestido vermelho, fez um filho e deu para ela. Parvati segurou-o junto ao seio e ele viveu. Ele sorria enquanto ele chupava seu leite e Parvati, agradecida, deu o filho a Shiva. Shiva ficou surpreso por Parvati ter soprado vida em uma criança feita de tecido mas avisou que o planeta Saturno não era auspicioso para essa criança e, enquanto pronunciava essas palavras, a cabeça da criança caiu no chão. Parvati ficou dominada pela tristeza. Shiva tentou, sem sucesso, colocar a cabeça de volta. Uma voz vinda do céu disse que somente a cabeça de alguém de frente para o norte grudaria na criança. Shiva mandou Nandi achar tal pessoa. Nandi logo achou o elefante de Indra, Airavat, deitado com sua cabeça de para o norte e começou a cortá-la. Indra interviu, mas Nandi foi bem sucedido, apesar de que na luta uma das presas do elefante tenha quebrado. Nandi levou a cabeça a Shiva e assim nasceu Ganesha. Os deuses celebraram o nascimento e Parvati ficou satisfeita.
Em um outro mito, Parvati tem uma tercira criança, Andhaka, e seu nascimento é narrado em uma lenda interessante. Brincando, Parvati fecha os olhos de Shiva com suas delicadas mãos e de repente a escuridão inundou o muno. As mãos da deusa foram embebidas no fluido de Shiva nascido da paixão, e quando aquecidas pelo calor do terceiro olho de Shiva, uma criança horrível cresceu, cega e repulsiva. Mas Parvati, leal a sua natureza, cuidou dessa criança com amor como cuidaria de qualquer outra. Mas, à medida que Andhaka cresceu, ele se tornou um demônio desejando ardentemente sua própria mãe, e foi morto por Shiva.
Na maioria do tempo, o casamento e a vida familiar de Shiva e Parvati é harmonioso, feliz e calmo. Os dois são geralmente retratados sentado em um abraço íntimo. Houve também diversos momentos de discussão filosófica entre os dois. Enquanto Shiva ensinava a parvati a doutrina do Vedanta, Parvati correspondia ensinando-o as doutrinas do Shankhya, porque se Shiva era o professor perfeito, Parvati, como yogini, não deixava por menos. Parvati estava constantemente ao lado de Shiva, encorajando, assistindo e participando de todas as suas atividades.
Uma parte importante da rotina diária de Shiva era a preparação de bhang, sua droga favorita. Parvati colhia as melhores folhas de bhang, amassava-as e filtrava a decocção em uma musselina bem limpa. Às vezes Parvati ajudava Shiva a fazer uma colcha que os manteria aquecidos nas noites frias do Kailasha. Outras vezes ela sentava-se e massageava os pés de seu amado enquanto Shiva reclinava-se embaixo de uma árvore. O maior prazer de Parvati era servir Shiva e fornecer tudo o que ele precisasse. Nada era mais importante para ela do que ser útil a seu amo, visando seu conforto e assegurando-se que ele não voltasse ao seu modo ascético solitário de auto-renúncia. Nessas atividades ela combinava os papéis de esposa cuidadosa e mãe afetuosa.
Mas Shiva e Parvati também brigam e discutem de vez em quando. Relatos bengalis de Shiva e Parvati geralmente descrevem Shiva como um marido irresponsável, maconheiro, que não pode cuidar de si mesmo. Parvati é retratada como a esposa sofredora, que freqüentemente reclama para sua mãe mas que sempre permanece imperturbável para seu marido.
Shiva também era passional em seu amor por Parvati. Entre os vários jogos que eles jogavam, o mais significante era o jogo de dados. Uma vez aconteceu que Parvati estava inicialmente perdendo para Shiva, mas então gradualmente a mesa virou e Shiva perdeu tudo que tinha apostado no jogo, incluindo a lua crescente, seu colar e brincos. Quando Parvati exigiu que Shiva desse a ela tudo que tinha apostado, ocorreu uma briga entre os dois, para a agonia de seus serventes. Parvati arrancou a cobra de Shiva, a lua crescente e até sua túnica amarrada no quadril. Os espectadores ficaram envergonhados e Shiva, com raiva, abriu seu terceiro olho. Depois desse incidente, os dois se separaram. Shiva retirou-se para a selva e Parvati para seus aposentos. Mas ela ficou atormentada com essa separação e ouvindo os conselhos de suas damas de companhia foi atrás de Shiva. Ela se transformou em uma shabari, uma mulher tribal, e aproximou-se de Shiva, que estava em meditação profunda. Shiva sentou-se atraído pela shabari e quando ele percebeu que não era ninguém mais que Parvati ele percebeu também seu erro e uniu-se a ela para a alegria dos dois.
Em outra ocasião, Parvati sente-se ofendida quando Shiva chama-a pelo apelido Kali (“neguinha”), o que Parvati toma como uma crítica a sua aparência. Ela decide livrar-se de sua compleição negra e assim o faz entregando-se às austeridades. Assumindo uma compleição dourada, ela torna-se então conhecida pelo nome Gauri (a brilhante ou a dourada). Em algumas versões do mito, sua compleição negra descartada se torna uma deusa guerreira que empreende fietos heróicos ou combate os demônios.
A presença de um alter-ego ou lado violento e escuro de Parvati é sugerida em vários mitos nos quais os demônios ameaçam o cosmos e Parvati é chamada para auxiliar os deuses derrotando o demônio em questão. Normalmente, quando Parvati fica nervosa com a perspectiva de guerra, de sua fúria nasce uma deusa violenta e continua a lutar no lugar de Parvati. Essa deidade com sede de sangue é geralmente identificada como Kali. Na maioria das circunstâncias, no entanto, os mitos enfatizam o lado mais suave de Parvati. A imagem de Parvati no campo de batalha é tão deslocada que outra deusa deve ser convocada para incorporar sua fúria e dissociar essa fúria de Parvati.
O tema principal do ciclo de mitos de Parvati é claro. A associação entre Parvati e Shiva representa a tensão contínua no Hinduísmo entre o ideal ascético e o ideal familiar. Parvati, na maioria das vezes, representa o ideal familiar. Sua missão é atrair Shiva para o mundo do casamento, sexo, e crianças, tentá-lo para fora do asceticismo, yoga, e outras preocupações sobrenaturais. Nesse papel Parvati é quem sustenta a ordem do dharma, quem aumenta a vida no mundo, quem representa a beleza e a atração da vida munda, sexual, quem estima a casa e a sociedade ao invés da floresta, as montanhas ou da vida ascética. Parvati civiliza Shiva com sua presença; na verdade, ela o domestica.
Na mitologia Hindu, uma das principais funções de Shiva é a destruição do cosmos. De fato, Shiva possui um aspecto selvagem, imprevisível, destrutivo. Como o grande dançarino cósmico, ele periodicamente faz a tandava, uma dança especialmente violenta. Segurando um machado de batalha quebrado, ele dança tão selvagemente que o cosmos é destruído completamente. Os rodopios de seus braços e sua cabeleira esvoaçante batem nos corpos celestiais, tirando-os de cursos ou destruindo-os completamente. As montanhas tremem e os oceanos levantam à medida que o mundo é destruído por sua dança violenta. Parvati, em contraste, é retratada como a construtora paciente, a que segue Shiva por toda parte, tentando amenizar os efeitos violentos de seu marido. Ela é uma grande força de preservação e reconstrução no mundo e como tal compensa a violência de Shiva.
Quando Shiva dança violentamente a tandava, Parvati acalma-o com olhares amáveis, ou complementa sua violência com um passo lento e criativo que ela mesma criou.
O objetivo de Parvati em seu relacionamento com Shiva não é nada menos que a domesticação do deus ascético e solitário cujo comportamento beira a loucura. Shiva é indiferente à propriedade social, não se importa com crianças, diz que a mulher é um obstáculo à vida espiritual, e é desdenhoso dos enfeites da vida familiar. Parvati tenta envolve-lo na vida mundana familiar argumentando que ele deve seguir as convenções se a ama e a quer. Ela o persuade, por exemplo, a casar-se com ela de acordo com os devidos rituais, a seguir os costumes, ao invés de simplesmente fugir com ela. Ela, no entanto, não é bem-sucedida em mudar seus adornos e hábitos ascéticos. Ela freqüentemente reclama de sua nudez e acha seus ornamentos horríveis. Geralmente instigada por sua mãe, Parvati reclama que ela não possui uma casa adequada para morar. Shiva, como bem se sabe, não tem uma casa, mas prefere viver em cavernas, em montanhas, ou em florestas ou vagar pelo mundo como um pedinte sem-teto.
Muitos mitos retratam as respostas de Shiva aos pedidos de Parvati por uma casa. Quando ela reclama que a chuva chega em breve e que não há casa para protege-la, Shiva simplesmente a leva para o pico mais alto das montanhas, acima das nuvens, onde não chove. Além disso, ele diz que sua “casa” é o universo e argumenta que um asceta entende que o mundo todo é sua moradia. Esses argumentos filosóficos nunca satisfazem Parvati, mas ela nunca consegue convencê-lo.
Shiva é um deus de excessos, tanto ascético como sexual, e Parvati assume o papel de modificadora. Como uma representante do ideal familiar, ela representa o ideal do sexo controlado, ou seja, sexo casado, que é o oposto do asceticismo e erotismo.
O tema do conflito, tensão ou oposição entre o jeito do asceta e o jeito da dona do lar na mitologia de Shiva e Parvati rendem-se a uma visão de reconciliação, interdependência, e harmonia simbólica em diversas imagens que combinam as duas deidades. Três temas são centrais na mitologia, iconografia e filosofia de Parvati:
- O tema de Shiva-Shakti
- A imagen de Shiva como Ardhanareshwara (o Senhor que é metade mulher)
- A imagem de linga e yoni
Shiva Shakti
A idéia de que os grandes deuses masculinos possuem um poder inerente através do qual podem empreender atividade criadora é corrente no pensamento filosófico Hindu. Quando esse poder, ou Shakti, é personificado, é sempre na forma de uma deusa. Parvati, naturalmente, assume a identidade da Shakti de Shiva. Ela é a força fundamental e que impele a criação. Nesse papel ativo-criativo ela é identificada com prakriti (natureza), enquanto Shiva é identificado com purusha (espírito puro). Como prakriti, Parvati representa a tendência inerente da natureza de expressar-se em formas concretas e seres individuais. Nessa tarefa, no entanto, Parvati deve ser posta em ação pelo próprio Shiva. Ela não é vista como antagônica a ele. Seu papel como sua Shakti é sempre interpretado como positivo. Através de Parvati, Shiva (o Absoluto) é capaz de expressar-se na criação. Sem ela ele permaneceria inerte, indiferente, inativo. Somente associado a ela que Shiva pode perceber ou manifestar seu potencial. Parvati como Shakti não apenas complemente Shiva, ela o completa.
Uma variedade de imagens e metáforas são usadas para expressar essa harmoniosa interdependência. Shiva é o princípio masculino da criação, Parvati o princípio feminino; Shiva é o céu, Parvati a terra; Shiva é o oceano, Parvati a praia; Shiva é o sol, Parvati sua luz; Parvati é todos os gostos e cheiros, Shiva o apreciador de todos os gostos e cheiros; Parvati é a corporificação de todas as almas individuais, Shiva é a própria alma; Parvati assume qualquer forma que é possível ser pensada, Shiva pensa em todas as possíveis formas; Shiva é o dia, Parvati a noite; Parvati é a criação, Shiva o criador; Parvati é o discurso, Shiva o significado; e assim por diante. Os dois são, na verdade, um – aspectos diferentes da realidade final – e como tal são complementares e não antagônicos.
Ardhanareshwara
O significado da forma Ardhanareshwara de Shiva é parecido. A imagem mostra uma figura metade homem metade mulher. O lado direito é Shiva e está adornado com seus ornamentos; o lado esquerdo é Parvati e adornado com os ornamentos dela.
No Shiva-Purana o deus Brahma é incapaz de continuar sua tarefa com a criação porque as criaturas que ele produziu não se multiplicam. Ele então pede para que Shiva o ajude. Shiva aparece na sua forma Ardhanareshwara. Essa forma hermafrodita se separa em Shiva e Parvati, e Parvati, a pedido de Brahma, permeia a criação com sua natureza feminina, que acorda o aspecto masculino da criação para a atividade fértil.
Sem essa metade feminina, ou natureza feminina, a divindade Shiva é incompleta e incapaz de continuar a criação. Além da idéia Shiva-Shakti, a imagem andrógina de Shiva e Parvati enfatiza que as duas deidades são necessárias uma à outra, e somente em união podem se completar. Nessa forma, a divindade transcende a particularidade sexual. Deus é tanto masculino quanto feminino, tanto pai quanto mãe, tanto reservado quanto ativo, tanto temível quanto gentil, tanto destrutivo quanto construtivo, e assim por diante.
Linga e Yoni
A imagem do linda na yoni, que é a forma mais comum da deidade nos templos de Shiva, também ensina a lição que a tensão entre Shiva e Parvati é revolvida na interdependência. Parvati como uma entidade sexual tem êxito em moderar o excessivo alheamento de Shiva do mundo e também seu excessivo vigor sexual. Na forma da yoni, Parvati preenche e completa as tendências criativas de Shiva. Assim como a grande yoni que acumula uma imensa potência sexual, ele e simbolizado pelo linga. A grande potência é criativamente liberada no contato sexual com Parvati. A imagem do linga na yoni simboliza a liberação criativa no ato erótico final de poder armazenado através do asceticismo. O ato erótico é então aumentado, fica mais potente, fecundo, e criativo, por causa do poder que Shiva guarda do asceticismo.
Apesar de a maioria das artes darem a Parvati uma aura religiosa, incluindo uma certa verdade poética, existe também uma expressão dos amores românticos e maternais de Parvati. Possuindo uma graça rítmica e refinada sobre eles, essas representações possuem um certo charme terreno e espontaneidade. Nessa forma, Parvati não é apenas mais amável e acessível, mas também pertence ao santuário ou às paredes da casa. Elas não são apenas ícones ou poesia visual, mas seres míticos reduzidos para a realidade diária. Essa Parvati “real” é aquela com quem um homem comum pode se relacionar, adorar e celebrar, de sua maneira pessoal.
terça-feira, junho 27, 2006
Miséria da Paz
Mesmo faltando-lhe quase todos os dentes, Miséria da Paz era bonita. Uma beleza matuta, envergonhada, com cara de riacho e cheiro de roupa quarando ao sol. Não era de muitas palavras e olhava para o mundo pedindo licença. Como se os olhos incomodassem. Não! Como se ela mesma fosse um incômodo que incomodava sem saber porquê. Assim, incomodada por incomodar, a ela só restava um enorme par de olhos que olhavam sem olhar. Olhava de beira, margeando o visível, esgueirando o foco e procurando o chão.
Chegou como a miséria costuma chegar: invisível, anônima, desterrada. Tocou a campainha, entrou e foi logo lavando a louça e limpando as janelas. Não foi preciso ninguém mandar. Uma empregada exemplar. Ninguém lhe perguntou o sobrenome e o nome foi só pra constar. Depois arrumou as tralhas no quartinho dos fundos, pendurou na parede o terço e uma fotografia de sabe-se lá quem, e encolheu-se na cama. Dormiu de banda, retorcida como um galho torto, uma pedra lascada, um cotoco de gente. Sonhou com o sertão, com a terra dos olhos que olham sem olhar. Se fosse eu ou você a sonhar com esqueletos barrigudos e cadávares embalados em redes, certamente seria um pesadelo, mas pra Miséria era sonho.
Acordou antes do sol acordar. Pisou no chão com cuidado, temendo que o chão fosse se incomodar. Arrastou-se até a cozinha e preparou o café. Não o tomou. Esperou que todos acordassem e deixassem o resto. Que para Miséria não era resto, era o que tinha pra comer neste mundo de Deus. Os patrões não gostaram. Aguado demais! Abaixou a cabeça e sorriu. Miséria sorria quando era pra chorar. Voltou ao fogão e fez tudo de novo, sem reclamar. Uma empregada exemplar!
Vez por outra conversava com as paredes, contava histórias dos doze irmãos que ficaram no norte, lá pelas bandas da Paraíba. Narrava histórias de defuntos e mulas que soltavam fogo pelas ventas. De si, pouco falava. Não por não ter o que contar e sim por não querer incomodar. E se por acaso as paredes insistissem, ela respondia: "Que vida pode ter quem nem chegou a nascer?" E de nada adiantava tentar convencê-la deste engano, pois de tanto conviver com a morte, defunto, mula sem cabeça, cadáver barrigudo, ela acabou por achar que o mundo era dividido entre os mortos e os nascidos. E se fosse eu ou você a elaborar este pensamento, seria metafísica, mas para Miséria era fado mesmo!
Um dia Miséria da Paz procurou as paredes, mais animada do que de costume. Os olhos brilhavam e olhavam. As paredes perguntaram pelo motivo de tanta alegria. Miséria respondeu que ouvira dizer que o Salvador chegaria . Acostumadas com as histórias das almas penadas, as paredes desconfiaram que o advento do Salvador era coisa da sua imaginação. Mas não era! O filho do patrão, um sujeito metido a marxista, tiete de Fidel e Che, ia voltar de uma excursão lá pelos confins da Europa. Miséria pouco sabia de Marx, mas pelo que ouvia por detrás das portas, concluiu que o moço era o anjo anunciado por Conselheiro. O filho do patrão só podia ser o homem que ia fazer o mar virar sertão. De nada adiantou preveni-la de uma provável decepção. Miséria cismou que o rapaz era o anjo da sua tão esperada salvação.
Até que chegou o dia do advento do Salvador. Chegou empinado, ereto como um bambu, não olhou para Miséria e nem lhe deu bom-dia. Passou por ela sem vê-la, deixando um rastro gelado e uma catinga de senhor de engenho. Miséria conhecia o cheiro e sabia que era o bafo do Chifrudo. Benzeu-se três vezes e jogou sal pelas costas. O Salvador era o Tinhoso! Padre Cicero já havia avisado...
O tempo passou com Miséria evitando ser olhada pelo Rabudo. Tremia de medo quando ele parava do seu lado para pedir votos e prometer fartura. Um dia o medo foi tanto que chegou até a ver o rabo do Capeta. Pensou em ir embora, mas lembrou que não tinha pra onde ir. Foi ficando. Ela e o Tinhoso. O Tinhoso e Ela. De noite, rezava pra Padre Cicero, Conselheiro e São Marx (nunca consegui convencê-la de que Marx tinha horror às santidades). Depois agarrava o terço, fechava os olhos e lá se ia pras bandas dos mortos, dos não nascidos...
Um dia, o Salvador - que de salvação só conhecia a de si mesmo e a de sua carteira - acusou-a de roubar uma toalha de banho. Vixe! A toalha que secou os pêlos do Belzebu? A barriga da Miséria embrulhou e os cabelos arrepiaram. Mas ninguém percebeu. Foi mandada pro olho da rua no meio da noite. Não tinha nenhum lugar para ir. Saiu carregando a trouxa, um disco do Roberto Carlos e um porta-retrato com uma foto de São Marx. Nunca mais foi vista. Afinal, ela nem tinha nascido!
O Salvador tinhoso? Ah!...esse continua por aí, usando a miséria como cabo eleitoral e como comida para sua mesa farta...
Marcia Frazão
quarta-feira, junho 21, 2006
Egoísmo
O propósito da vida é crescer e compartilhar.
"O homem está aqui no interesse das outras pessoas - acima de tudo, daqueles de cujo sorriso e bem estar depende a nossa própria felicidade, bem como das incontáveis almas desconhecidas, cujo destino estamos ligados por um vínculo de solidariedade". (Albert Einstein)
segunda-feira, junho 12, 2006
Filhotes de Mel
Pois é pessoal,
A minha cachorra pulou a cerca e o resultado é que agora 9 lindos cachorrinhos precisam de um lar! Eles são todos muito fofos! 6 machinhos beges, 2 fêmeas marrons e 1 casal pretinho. Na verdade, 2 já foram adotados, então se vocês quiserem ou souberem de alguém que queiram um filhote, please, me avisem!!!
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