Fernando Reinach*
Quando o Ministério da Agricultura descobriu que quase 20% da área plantada com algodão no Brasil está coberta com variedades transgênicas, perguntou à Comissão Técnica de Biossegurança o que deveria fazer. A CTNBio mandou cumprir a Lei de Biossegurança: as variedades não aprovadas devem ser destruídas, os resíduos enterrados e os fazendeiros, multados. Tudo correto, afinal lei é para ser cumprida.
O que os fazendeiros não sabem é que estão sendo discriminados. Enquanto o Ministério da Agricultura providencia a destruição das lavouras, o Ministério da Saúde está em plena campanha de vacinação para imunizar as crianças com uma vacina transgênica contra hepatite B que também não foi aprovada pela CTNBio.
A Lei de Biossegurança é clara. Antes de ser comercializado, todo produto biotecnológico, seja ele uma variedade de algodão ou uma vacina, tem de ser considerado seguro pela CTNBio. Essa decisão tem de ser referendada por um conselho de ministros. Tudo indica que o governo está comprando uma vacina ilegal e injetando nas crianças (assunto do artigo Injetaram proteína transgênica no meu filho!, publicado nesta seção, em 26 de abril).
Não tenho nada contra a vacina contra hepatite B. Seu desenvolvimento pelo Instituto Butantã, ligado ao governo do Estado, é um dos exemplos de como é possível desenvolver vacinas com tecnologia de ponta no País. Além do mais, a vacina é semelhante à existente em outros países e sua utilização deve salvar muitas vidas.
Também não tenho nada contra as variedades de algodão transgênico. Elas diminuem o uso dos inseticidas, já foram aprovadas por diversos órgãos regulatórios em outros países e vêm sendo plantadas faz anos nos EUA. Ambos os produtos são importantes para o Brasil.
Mas como dois produtos tão importantes não foram examinados e aprovados pela Comissão Técnica de Biossegurança? A vacina contra hepatite B não foi sequer submetida à CTNBio para avaliação. Os dados sobre sua segurança não estão disponíveis e não se sabe quem autorizou sua utilização sem aprovação da CTNBio. Tampouco se tem notícia de que a comissão ou o Ministério Público tenham notificado oficialmente o Ministério da Saúde sobre a possível ilegalidade. O processo do algodão transgênico está na pilha de processos que a CTNBio deve examinar. Os dados sobre sua segurança são públicos, mas dificilmente esse produto será aprovado, uma vez que o próprio presidente da República, sob orientação do Ministério do Meio Ambiente, vetou parte da Lei de Biossegurança aprovada pelo Congresso e a substituiu por um decreto que na prática torna quase impossível um produto comercial ser aprovado no País.
Apesar do veto, o governo afirma que é a favor da biotecnologia. Ela é uma das áreas prioritárias do programa de inovação do governo federal, que tem como objetivo propiciar o desenvolvimento do País fomentando empresas de biotecnologia.
Talvez sirva de consolo ao agricultor que vai falir quando destruírem sua plantação ilegal de algodão transgênico que ao menos seus filhos estão protegidos contra a hepatite B por uma vacina tão ilegal quanto sua plantação. Charles de Gaulle tinha razão, este país não é sério.