sexta-feira, março 31, 2006

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DA ÁGUA




1. A água faz parte do patrimônio do planeta. Cada continente, cada povo, cada região, cada cidade, cada cidadão é plenamente responsável aos olhos de todos.

2. A água é a seiva do nosso planeta. Ela é a condição essencial de vida e de todo ser vegetal, animal ou humano. Sem ela não poderíamos conceder como são a atmosfera, o clima, a vegetação, a cultura ou a agricultura. O direito à água é um dos direitos fundamentais do ser humano: o direito à vida, tal qual é estipulado no Art. 30 de Declaração Universal dos Direitos Humanos.

3. Os recursos naturais de transformação da água em água potável são lentos, frágeis e muito limitados. Assim sendo a água deve ser manipulada com racionalidade, preocupação e parcimônia.

4. O equilíbrio e o futuro de nosso planeta dependem da preservação da água e dos seus ciclos. Estes devem permanecer intactos e funcionando normalmente, para garantir a continuidade da vida sobre a Terra. Este equilíbrio depende, em particular, da preservação dos mares e oceanos por onde os ciclos começam.

5. A água não é somente uma herança dos nossos predecessores, ela é sobretudo um empréstimo aos nossos sucessores. Sua proteção constitui uma necessidade vital, assim como uma obrigação moral do Homem para as gerações presentes e futuras.

6. A água não é uma doação gratuita da natureza, ela tem um valor econômico: é preciso saber que ela é, algumas vezes, rara e dispendiosa e que pode muito bem escassear em qualquer região do mundo.

7. A água não deve ser desperdiçada, nem poluída, nem envenenada. De maneira geral, sua utilização deve ser feita com consciência e diascernimento, para que não se chegue a uma situação de esgotamento ou de deterioração de qualidade das reservas atualmente disponíveis.

8. A utilização da água implica o respeito à lei. Sua proteção constitui uma obrigação jurídica para todo o homem ou grupo social que a utiliza. Esta questão não deve ser ignorada nem pelo Homem nem pelo Estado.

9. A gestão da água impõe um equilíbrio entre os imperativos de sua proteção e as necessidades de ordem econômica, sanitária e social.

10. O planejamento da gestão da água deve levar em conta a solidariedade e o consenso em razão de sua distribuição desigual sobre a Terra.

(fonte: Universidade da Água http://www.uniagua.org.br )

segunda-feira, março 27, 2006

O que buscam os neopagãos?



O Cristianismo começou como uma religião de oprimidos. Romanos e judeus dominavam os tesouros e riquezas e às mulheres e aos escravos não restava alternativa que não fosse a subserviência. Logo, a nova religião transformou-se na saída possível, já que aceitava a todos como filhos de um mesmo pai. No entanto, com o tempo tal cenário foi se modificando. As classes dominantes tomaram para si o controle do cristianismo a fim de subjulgar os mais fracos. Assim se passaram os últimos 1.500 anos da história.

Mas o que tem se visto nos últimos 50 anos é uma "não-tolerância" a essa dominação. A população começa a questionar a necessidade de um intermediário no contato com o divino e busca, nas crenças anteriores ao cristianismo, uma maneira de espiritualizar-se.

Com o desenvolvimento dos estudo arqueológicos e antropológicos, chega ao conhecimento destes como viviam os povos pré-cristãos, e na tentativa de resgatar esse contato direto com o divino é que nasce o atual movimento Neopagão.

Mas quais são as bases desse novo modo de ver o mundo? De início, tem-se a religação com a natureza. Os povos primitivos eram, em sua maioria, agrícolas, e era no ambiente onde viviam que buscavam seus deuses. Daí surge o próximo conceito, que seria a sacralidade diária. Assim, os deuses se manteriam e apresentariam na rotina e no habitat de seus cultuadores. O ato de viver torna-se sagrado. Dá-se mais valor aos processos naturais como o alimentar-se, envelhecimento, contato sexual etc.

A partir da observação mais próxima dos processos naturais e da Natureza em si, vem a consciência da não-existência da bipolaridade "bem/mal" ou, no antigo conceito judaico-cristão, "Deus/Diabo". Passa-se a perceber a multipolaridade ou totalidade dos processos naturais. Dessa maneira extingue-se o conceito de Pecado.

As religiões monoteístas afirmam que o "agir mal", ou agir em oposição à doutrina, afasta a pessoa da divindade e a leva de encontro ao personificador do mal, ou Diabo. Para se ver livre desse pecado, o cristão, judeu ou mulçumano tem de recorrer ao auxílio de um sacerdote. Somente este tem o contato com o divino e o poder de lavar a alma do pecador e encaminhá-la ao Paraíso, para sua libertação.

Já o paganismo, ou neopaganismo, ao eliminar o pecado e ao trazer a divindade ao cotidiano, elimina também a necessidade de um intermediário, ou sacerdote. Cada um passa a ser o seu próprio sacerdote, e a manter contato direto com os deuses que cultua.

A sacralização do corpo e do habitat só traz resultados positivos. O neopagão não age pensando no Paraíso ou no contato com Deus post-mortem. Pelo contrário, respeita a si e ao meio-ambiente, sabendo serem estas a moradas de seus deuses.

Logo, como ser neopagão nos dias de hoje? A palavra-chave é EQUILÍBRIO. É isso que se deve buscar. Não é vantajoso ser "bonzinho" para assim atingir o Éden. Deve-se criar a consciência de que o Jardim Encantado é aqui e que, somente preservando-o, há que se viver bem.

quinta-feira, março 23, 2006

Persistência, até que ponto?


Odeio pessoas que não sabem perder. Essa noite fui acordada 4 vezes por uma dessas pessoas, alguma desocupada patricinha, que provavelmente não sabe o que é acordar cedo pra trabalhar, já que nunca trabalhou na vida, e acha que dar uma ajuda no escritório do papai meio-período pode ser considerado experiência profissional... Na verdade, não sei se ódio é a palavra certa, acho que não. Tenho pena dessas pessoas... O sentimento é o mesmo de quando eu vejo um cachorrinho com três pernas... Dó, piedade. Aquele ser manco e indefeso. Assim também o é com certas pessoas. Elas não conseguem reconhecer que o passado passou, ainda tentam se apoiar em algo que não mais existe. Lutam indefinidamente pra tentar reconquistar a quarta perna, mas isso é impossível. Ô dó, e elas nem percebem.

Por outro lado, acredito que se você quer alguma coisa, tem que correr atrás. Nada que realmente valha a pena cai do céu. E, mais do que conquistar, tem-se que trabalhar duro para manter! Só que quando já se teve algo que amava demais e perdeu, é porque, enquanto teve o objeto de amor/desejo, não deu o valor necessário àquilo. Chuta-o como se fosse uma bola, uma ou duas vezes... Então, esse algo precioso é valorizado, conquistado e mantido, e está feliz! Aí a pessoa insana, ao perceber o que perdeu, começa a lutar para obter aquilo de volta...

Isso é persistência??? Podemos chamar isso de "correr atrás dos sonhos"? É claro que não. Isso só pode ter um nome, ou talvez dois: teimosia e burrice!

terça-feira, março 21, 2006

Por que eu te amo tanto?



Porque eu te reencontrei quando já não tinha mais esperança de encotrar alguém que me tirasse da lama, quando achava que não havia alguém tão imperfeito para o mundo e tão perfeito pra mim. Porque conseguimos ficar a noite inteira num Franz com um suco e dois cafés sem perceber o tempo passar. Porque ficamos muitos finais de semana trancados no quarto e nos bastavam apenas 2 DVDs, uma garrafa de chá e um pacote de pipoca. Porque o assunto ainda não acabou. Porque você também sentiu as mesmas coisas, e disfarçou do mesmo jeito, quando nos encontramos pela primeira vez há 5 anos. Porque você não se importa mais com nossas diferenças e até faz piada com elas. Porque você é ciumento, como eu. Porque você me entende e não se importa de reverter uma operação para ter mais filhos comigo. Porque é tão parecido comigo em certas coisas e tão diferente em outras tantas. Porque deixou de brincar com sua gata, só pra não me matar de espirrar. Porque agüenta as insanidades da minha cachorra, e até brinca com ela, sem reclamar. Porque você agüenta que eu corrija o seu inglês e questione sua gramática sem ficar ofendido. Porque você me ama quando eu sou mulherzinha, quando eu sou fodona, quando eu sou criança, quando eu sou chata e porque se afasta discretamente quando eu viro monstra, mas volta logo, e às vezes apressa a minha volta ao normal fazendo palhaçada pra eu rir. Porque você acorda 15 minutos mais cedo do que eu para fazer café e um sanduíche, porque sabe que do contrário eu saio em jejum, mesmo quando poderia dormir até mais tarde. Porque você me acorda com beijos e paciência, e consegue entender e mudar meu mau-humor matinal. Porque mesmo quando você tá deprimido, se eu ficar triste ou assustada você me abraça e diz que tudo vai ficar bem. Porque você me abraça e me protege quando a gente dorme. Porque você me abraça e me protege o tempo todo. Porque você é mais sincero e honesto do que qualquer pessoa que eu conheça, em todos os sentidos, e sem ser chato. Porque você é bom de verdade, sem achar que isso vai te dar o céu ou te livrar do inferno numa hipotética vida após a vida. Porque quando criança, você era diferente e sensível. Porque você ainda é diferente e sensível. Porque você tem tantos talentos e é tão humilde com relação a eles que eu só fui descobrir alguns depois de quase 2 anos juntos. Porque podemos falar de mitologia – nesse caso, você fala e eu escuto -, filosofia, cinema, fofocar sobre astros de Hollywood ou contar piada de pum com a mesma naturalidade e (alto) grau de diversão. Porque você é quase sempre bem-humorado, gentil, educado e fofo. Porque você tem a boca mais delícia e macia e lindinha do mundo, mesmo quando dorme com ela aberta e ronca. Porque você não é machista nunca, nem comigo nem com ninguém. Porque às vezes nós somos dois caminhoneiros, grossos com Ç, e mesmo assim você nunca fica horrorizado comigo nem deixa de me tratar como a sua menina. Porque às vezes você me trata como se fosse meu pai, ou meu neném, ou meu melhor amigo, sem nunca deixar de ser meu homem. Porque você nunca deixou de me achar gostosa e demonstrar isso, estivesse eu magra, gorda, imensa ou mais ou menos. Porque você gosta quando eu rio com você mas não se importa se eu rio de você. Porque você também me acha engraçada e isso não te ameaça de forma nenhuma. Porque quando eu tô mal, infeliz, doente, triste ou com medo, você me abraça e em vez de mentir ou fazer promessas vazias, você só me diz “Vai passar”, e isso é a única coisa que me acalma. Porque você às vezes acorda no meio da noite e fica com vontade de me abraçar, e me abraça mesmo eu estando dormindo, e diz que me ama. Porque você não liga que eu não faça depilação todo dia ou semana, as unhas nunca, o cabelo jamais, e não se importa de me beijar e depois sair de batom, por menos que ele combine com sua camisa. Porque você deixa que eu decida se você vai manter ou tirar a barba, que roupa você vai vestir, de que tamanho vai ser o seu cabelo. Porque quando eu corto seu cabelo curtinho você vira meu bichinho de pelúcia e eu não consigo parar de te fazer cafuné. Porque eu nunca consigo parar de fazer cafuné. Porque quando eu peço você faz cafuné em mim. Porque pra falar a verdade, eu não consigo nunca tirar as mãos de você. Porque você também não consegue tirar as mãos de mim. Porque até hoje ainda gostamos mais de conversar um com o outro do que com praticamente qualquer outra pessoa, mas não ficamos emburradinhos se um dos dois engata uma longa conversa com outra pessoa. Porque nós dois estamos sempre juntos contra o mundo, mas nunca – ou quase nunca – um contra o outro. Porque nossas brigas são poucas e de curta duração. Porque quando eu olho pra você consigo ver a criança que você foi e o velho que vai se tornar, e amo os dois também. Porque você não dá chilique quando eu digo que fulano é bonito, sicrano é interessante e que beltrano “tem cara de Homem”. Porque você confia em mim e merece minha confiança. Porque você tem olhos cor de mel, mas não é por isso que eles são tão doces. Porque por mais que eu escreva coisas aqui, eu nunca vou conseguir chegar a um centésimo das razões pelas quais eu até posso, mas não quero, não quero, não quero nunca nunca nunca viver sem você. É por isso, por tudo isso, que eu não ganhei na mega-sena acumulada, e é por isso que provavelmente nunca vou ganhar nem uma quinazinha ou uma mísera quadra. É porque provavelmente a sorte tem que ser distribuída com alguma justiça entre as pessoas, e afinal, eu já ganhei na loteria faz tempo. Pra ser mais exata, há 1 ano, 10 meses e vinte e oito dias.

sábado, março 18, 2006

Ciência versus Religião

A inútil luta sem fim

É cansativo observar que cada vez mais dois campos tão interessantes e enriquecedores se afastam. Essa, que é uma guerra que vem se arrastando há séculos, se encontra na mais recente batalha: a luta dos conservadores contra os avanços da biotecnologia.


Eu sou pagã. Admiro as forças da natureza e reconheço os poderes dos deuses. Eu sou bióloga. Faço pesquisas laboratoriais e entendo do funcionamento de um organismo vivo. Ora, vocês me perguntam, como é possível acreditar de verdade em ambos? Muito simples, eu respondo. Quanto mais eu estudo Biologia, mais eu acredito nos Deuses!


Ao estudar o funcionamento de uma célula simples, como de uma bactéria por exemplo, e observar como todos seus processos bioquímicos se encaixam perfeitamente, é impossível não ficar fascinado e pensar: quem pensou nisso? Não estou apoiando aqui uma teoria criacionista, como os americanos estão querendo implantar em seu sistema educacional. A vida não veio prontinha, não começou há 10.000 anos atrás, mas uma inteligência superior deve ter pensado em todos os ingredientes a serem adicionados nesse imenso caldeirão que é o nosso planeta. E a evolução pôde seguir seu curso.


O que eu estou querendo afirmar é que é possível acreditar em deus(es) e na ciência ao mesmo tempo. Tanto um quanto outro falam com mundos diferentes da experiência humana. Darwin, quando elaborou "Origem das Espécies", acreditava em Deus. Galileu, quando negou sua teoria para se salvar da Inquisição, acreditava no poder da oração. Outro dia li em um artigo que foi descoberto um "gene de deus". As pessoas que possuíam esse gene ativado tinham uma propensão maior à fé. Os ateus também possuíam esse gene, mas nessas pessoas ele se encontrava "desligado". Já é conhecido de longa data que as pessoas que possuem algum tipo de fé são mais resistentes a doenças e também se recuperam mais rapidamente de infecções. Mas o que me surpreendeu é que essa característica é passada geneticamente, de pai para filho!!! É claro que a personalidade de uma pessoa também é resultado de seu ambiente cultural, mas existe uma predisposição regulando isso.


A ciência e a religião têm mais coisas em comum do que possam imaginar. Ambas compartilham o fascínio por coisas que não se podem ver. Os cientistas debatem sobre uma possível "beleza matemática" associada com dimensões que podem ou não existir. Os religiosos, por sua vez, discutem um possível motivo oculto na natureza que também pode ou não ser real. Os seres humanos são "programados" a procurar novos horizontes para onde possam escapar, mesmo que somente com a mente. Senão acreditássemos nesse "refúgios", nossa sobrevivência seria intolerável! Se observarmos um céu estrelado, esticando o braço e segurando uma moeda de, digamos, 10 centavos, nesse pequeno ponto coberto pela moeda há, aproximadamente, 100.000 galáxias como a nossa. A maioria delas contêm mais de 100 bilhões de estrelas, muitas contendo sistemas solares onde podem existir diversas formas de vida inteligente que ficarão, para sempre, escondidas de nós.


No intuito de tentar desvelar tudo o que é mistério para o entendimento humano, cientistas vem trabalhado arduamente nos últimos séculos. Recentemente, numa análise do mitológico Oráculo de Delfo, os cientistas descobriram falhas na rocha que deixam escapar gases intoxicantes, o que causaria o estado de transe da sacerdotisa. No entanto, o que não é possível explicar é porque seus pronunciamentos viraram marcos da sabedoria ocidental, influindo pensadores como Sócrates.


O que eu estou querendo dizer é que, eu acredito na ciência, até onde ela pode explicar. A partir daí, temos que deixar nas mãos dos deuses. São mistérios que só a fé pode resolver.


Finalizo com Carl Sagan em Pale Blue Dot (1994):


"Uma religião, seja ela nova ou antiga, que sublinhe a magnitude do universo revelada pela ciência moderna, deveria ser capaz de liberar cargas de reverência e respeito que não foram liberadas pelas fés convencionais. Mais cedo ou mais tarde, tal religião vai emergir."

quarta-feira, março 15, 2006

Um Bonde Chamado seu Beijo



Quem encobrirá meu sono?
Beijará quem minhas costas no cotidiano?
Quem, no meio do frio, me cobrirá com lindas orelhas
e me dirá palavras indecentes nos ouvidos?
Quem, atrevido, me acordará com o ponteiro em riste
como um pássaro que não quer tudo
apenas o céu, a gaiola, o alpiste?
Quem que, quando eu dormisse, por mim zelasse
e eu, quando acordasse, lhe fizesse iogurtes brejeiros
massagens nos pés, cumplicidades de enlace?
Quem me agarrará por trás quando eu sair cheirosa do banho
e terá orgulho de eu ser guerreira e perfumada ao mesmo tempo?
Quem em bom senso dirá que muito me assanho
quem orientará a guerrilha diária a que me proponho
quem será inteligente e gostoso a meu lado como está no meu sonho?
Quem, a quem me disponho a cozinhar e fazer versos
quem racional e perverso cochichará nos tímpanos da minha alma
a doce ordem, a venal palavra: Calma?
Quem com sua alma me mostrará um mar vertical?
Quem, meu igual, me apontará andores reais, sem excesso de glacê no bolo
Com determinação de touro e a nobreza de poder ser banal?
Quem, coisa e tal, me beijará a boca e me enfiará as mãos
por debaixo da barra do segredo do vestido
e um dia passeará comigo no segredo contido na Barra do Jucu?
Quem, senão tu que eu elejo, eu planejo, pode habitar o lugar
a suíte que há tanto tenho reservado?
Quem, encomendado, pode me manter na confiança dos edredons
enquanto não chega?
Quem, com certeza, me visitará num outubourbon no gume da lira
de eu ser égua, cadela, mulher e sua?
Quem sobre mim sua, pinga, chove?
Quem que com lucidez resolve o abismo simples de prever o risco de sonhar
pra nele mesmo cair, rire se embolar?
Quem me dará a idéia de conceber a saudade no sentido tático
quem, não estático, de longe me fará cometer poemas de meia-noite?
Quem, sem favor, me estende o braço com rosas na mão
com explicação pro meu calor?
Quem, senão meu doido bondinho
meus olhos acesinhos, meu comedor...
Meu triz, meu risco
meu cristo redentor?

Elisa Lucinda

terça-feira, março 14, 2006

Palavras Indígenas I

Narrativas sobre a origem do mundo


Sonhos das Origens - Yanomami


Davi Kopenawa (Aldeia Watoriki, Serra Demini, Roraima, 1998)

Os espí­ritos xapiripë dançam para os xamãs desde o primeiro tempo e assim continuam até hoje. Eles parecem seres humanos mas são tão minúsculos quanto partí­culas de poeira cintilantes. Para poder vê-los deve-se inalar o pó da árvore yãkõanahi muitas e muitas vezes. Leva tanto tempo quanto para os brancos aprender os desenhos de suas palavras. O pó do yãkõanahi é a comida dos espí­ritos. Quem não o "bebe" assim fica com os olhos de fantasma e não vê nada.

Os xapiripë dançam juntos sobre grandes espelhos que descem do céu. Nunca são cinzentos como os humanos. São sempre magníficos: o corpo pintado de urucum e percorrido de desenhos pretos, suas cabeças cobertas de plumas brancas de urubu rei, suas braçadeiras de miçangas repletas de plumas de papagaios, de cujubim e de arara vermelha, a cintura envolta de rabos de tucanos.

Milhares deles chegam para dançar juntos, agitando folhas de palmeiras novas, soltando gritos de alegria e cantando sem parar. Seus caminhos parecem fios de aranhas brilhando como a luz do luar e seus ornamentos de plumas mexem lentamente ao ritmo de seus passos. Dá alegria de ver como são bonitos!

Os espí­ritos são tão numerosos porque eles são as imagens dos animais da floresta. Todos na floresta têm uma imagem utupë: quem anda no chão, quem anda nas árvores, quem tem asas, quem mora na água. São estas imagens que os xamãs chamam e fazem descer para virar espiritos xapiripë. Estas imagens são o verdadeiro centro, o verdadeiro interior dos seres da floresta. As pessoas comuns não podem vê-los, só os xamãs. Mas não são imagens dos animais que conhecemos agora. São imagens dos pais destes animais, são imagens dos nossos antepassados.

No primeiro tempo, quando a floresta estava ainda jovem, nossos antepassados eram humanos com nomes de animais e acabaram virando caça. São eles que flechamos e comemos hoje. Mas suas imagens não desapareceram e são elas que agora dançam para nós como espíritos xapiripë. Estes antepassados são verdadeiros antigos. Viraram caçada há muito tempo, mas seus fantasmas permanecem aqui. Têm nomes de animais mas são seres invisí­veis que nunca morre. A epidemia dos brancos pode tentar queimá-los e devorá-los, nunca desaparecerão. Seus espelhos brotam sempre de novo.

Os brancos desenham suas palavras porque seu pensamento é cheio de esquecimento. Nós guardamos as palavras dos nossos antepassados dentro de nós há muito tempo e continuamos passando-as para os nossos filhos. As crianças, que não sabem nada dos espí­ritos, escutam os cantos dos xamãs e depois querem ver os espí­ritos por sua vez. É assim que, apesar de muito antigas, as palavras dos xapiripë sempre voltam a ser novas. São elas que aumentas nossos pensamentos. São elas que nos fazem ver e conhecer as coisas de longe, as coisas dos antigos. É o nosso estudo, o que nos ensina a sonhar. Deste modo, quem não bebe o sopro dos espí­ritos tem o pensamento curto e enfumaçado; quem não é olhado pelos xapiripë não sonha, só dorme como um machado no chão.

sexta-feira, março 10, 2006

Sarasvati



Como post de reinauguração do Água Potável resolvi colocar um artigo sobre a deusa indiana Sarasvati. Desde que eu comecei a participar de listas de discussão na rede, e adotei seu nome como nick, essa deusa fantástica vem me acompanhando, e chegou a hora de eu prestar-lhe uma homenagem. Em breve colocarei mais artigos sobre a mitologia indiana, além de outros assuntos. Espero que gostem, comentem e voltem sempre para visitar!

Sarasvati

A grande deusa é, sem dúvida, uma deidade de força e poder. Mas foi devido à sua benevolência e gentileza em relação aos desejos dos devotos que elas surgiram na Índia. Este papel da deusa que realiza desejos é presente até hoje, mas nos antigos hinos sagrados (Veda) esse aspecto já se manifestava.

Sarasvati é uma das poucas deusas dos Vedas que conseguiu manter sua importância até os dias de hoje. Desde os tempos antigos ela possui três papéis principais: como um rio, como Vak (palavra), e como uma deusa.

Nos Vedas, suas características e atributos são associados com o poderoso rio Sarasvati. Ela é o mais antigo exemplo de uma deusa associada a um rio na tradição indiana. Em um sentido simbólico ela sugere a sacralidade inerente nos rios ou na água em geral. O simbolismo da água é rico e complexo em todas as religiões do mundo, e há duas associações típicas importantes nas descrições védicas de Sarasvati. Primeiramente, ela é reconhecida por conferir generosidade, fertilidade e riquezas. Suas águas fertilizam a terra, para que esta possa produzir. Em segundo lugar, Sarasvati representa pureza, como a água, principalmente água corrente. Indica-se freqüentemente no Vedas que as margens de Sarasvati eram sagradas para finalidades rituais. Isto sugere também os poderes purificadores do rio.

Uma outra associação particular com rios é a de cruzar-se do mundo da ignorância e escravidão à outra margem, que representa o mundo da iluminação ou da liberdade. O rio nesta metáfora representa o estado da transição, o período do nascimento, em que o viajante espiritual se submete a uma metamorfose crucial. O rio representa um grande poder purificador no qual o peregrino afoga sua antiga identidade e nasce novamente, livre e iluminado.

Gostaria de compartilhar com vocês uma lenda interessante do rio Sarasvati:

Uma vez o celebrado sábio védico Vasishtha estava praticando penitência nas margens do rio Sarasvati. De repente, o guerreiro que se tornou santo Vishvamitra, um inimigo declarado de Vasishtha, apareceu no lugar e disse à ela: ‘Inunde e traga-me Vasishtha flutuando em suas ondas.’ Sarasvati hesitou por um instante, mas vendo que Vishvamitra estava determinado, ela invadiu suas margens onde Vasishtha meditava. Vishvamitra ficou extremamente agradecido. Mas Sarasvati não parou por aí. Ela inundou em direção ao leste, com Vasishtha na crista de suas ondas. Vishvamitra, percebendo que sua intenção era proteger Vasishtha ao invés de feri-lo, ficou indignado e amaldiçoou Sarasvati, transformado-a em um rio de sangue.

Quando os sábios mendicantes, que vivam em solidão em suas margens, foram para o banho, eles ficaram chocados ao encontrar a correnteza inundada de sangue. Sarasvati suplicou a eles: ‘Eu era um rio de água pura. Mas o sábio Vishvamitra ordenou-me que trouxesse seu inimigo, o bom sábio Vasishtha, flutuando para ele. Eu percebi a maldade, mas estava com medo da ira de Vishvamitra. Então eu carreguei Vasishtha para longe de onde ele estava sentado, mas ao invés de entregar o inocente sábio ao seu inimigo, eu o levei para um lugar seguro. Vishvamitra percebeu minha intenção e me amaldiçoou. Estou me sentindo suja e humilhada. Vocês, eremitas, não podem limpar minhas águas e restaurar minha pureza?’

‘Nós certamente podemos e vamos fazer isso,’ disseram os adoráveis eremitas, que foram tocados pela coragem da deusa. Então, através de seus poderes mágicos, Sarasvati readquiriu sua pureza e se tornou novamente um rio circulando água. É por isso que ela também é conhecida como Shonapunya, do sânscrito ‘aquela purificada do sangue’.

A idéia de um rio de sangue pode ser interpretada como um símbolo do fluxo sanguíneo feminino, principalmente porque Sarasvati é conhecida por ser uma correnteza contínua que purifica e fertiliza a Terra.

Numa literatura védica posterior, ela é a deusa da palavra, conhecida como Vak. A importância da palavra no hinduísmo é antiga e central. Todo o processo criativo está presente na sílaba OM, e a idéia da criação proceder de shabda-brahman (a realidade final na forma de som) é freqüentemente mencionada nos textos antigos. Um mantra também, que pode ser constituído de palavras ou sons, possui grande poder. Na verdade, o mantra de uma determinada deidade é equivalente à própria deidade. Pronunciar um mantra é fazer a deidade presente. O som contém uma qualidade potente, e essa qualidade é incorporada em Sarasvati, a Deusa da palavra.

Como a incorporação da palavra, Sarasvati está presente em qualquer lugar em que a palavra exista. E por isso ela é associada com o melhor da cultura humana: poesia, literatura, rituais sagrados, e comunicação entre indivíduos.

Até hoje, quando um bebê nasce, as avós fazem uma estrela de cinco pontas chamada ‘o sinal de Sarasvati’ na língua do recém nascido com mel. A língua, o órgão da palavra, deve ser presa à estrela de Sarasvati bem cedo.

Como Sarasvati, a deusa, sua identidade não é tão nebulosa quanto Vak (palavra). Há claras descrições de sua forma, vestimentas, ornamentos e montaria, juntamente com os objetos aos quais ela é relacionada. Ela é sempre representada com uma beleza extrema, pele clara, com quatro braços, sempre jovem e graciosa. Ela está sentada em uma lótus, acompanhada de seu cisne, e carrega um alaúde (Veena) descansando em seu seio. Em suas mãos ela leva um rosário, um livro, e um pote de água. O livro a associa com as ciências e aprendizado no geral. O alaúde liga-a às artes, principalmente música, e o rosário e o pote de água a associam com as ciências espirituais e ritos religiosos. Ela está vestida de branco e azul, uma reminiscência de sua forma como rio. Assim como Lakshmi, e diferentemente de Durga ou Kali, ela não traz consigo nenhuma arma.

Sua cor é branca, a cor da paz. Suas roupas, o lótus onde está sentada, e também o cisne são brancos. Nada como a nudez dramática e ensangüentada de Kali, ou o ofuscante vermelho e dourado de Lakshmi. Seu manto e sua aparência mostram serenidade e uma total falta de artifícios.

As lendas dizem que ela brotou da testa de seu pai, Brahma, assim como a deusa grega Atena, que nasceu da cabeça de seu pai, Zeus. Brahma desejou-a assim que olhou para essa linda mulher, mesmo ela sendo sua filha. Sarasvati não gostou das atenções amorosas desse velho deus e continuou se movendo, mas para qualquer lugar que fosse, Brahma fazia crescer uma cabeça em sua direção para vê-la melhor. Dessa maneira, Brahma ficou com quatro faces nos quatro lados de seu pescoço e até uma cabeça no topo das quatro, para que ela não pudesse escapar movendo-se para cima. Mas Sarasvati continuou iludindo-o.

Brahma estava nervoso. Ele, sendo o Criador, também era poderoso. Eu não sei como, mas as lendas afirmam que ele conseguiu, de alguma maneira, casar com essa moça evasiva, e criou através de sua mente os quatro Vedas. Algumas tradições contam que Brahma descobriu que sua filha-esposa era muito reservada e ausente para seu gosto. Ele tinha organizado um grande sacrifício de fogo, onde sua esposa deveria aparecer ao seu lado. Ele avisou repetidamente a Sarasvati que não demorasse muito para se arrumar para que não perdessem o momento auspicioso. Ela deve, ele disse, tomar seu tradicional lugar a sua esquerda, pontualmente. Mas Sarasvati agiu com seu característico capricho em relação às ordens do pai. Ela se demorou tanto que ao momento passou, sem o supremo casal junto para fazer a oferenda ao Deus Fogo como homem e mulher. Quando Sarasvati finalmente chegou, Brahma estava pálido. Ele a expulsou e colocou em seu lugar a filha de um sábio, Gayatri.

Sarasvati, apesar de casada, nunca apreciou a felicidade doméstica como Durga ou Lakshmi. De acordo com a maioria dos mitos, ela não teve filhos, possuía um temperamento explosivo, era facilmente provocada e um tanto quanto briguenta. Ela, entre todas as deusas, é descrita como tendo vontade própria e não era muito amável com os deuses masculinos.

Como a filha renegada e esposa afastada, Sarasvati viveu perpetuamente num exílio que ela mesma se impôs. Ela focalizou sua calma, meditou serenamente sobre as experiências do passado. A capacidade de recordar sem raiva ou ressentimento é o maior presente de Sarasvati a seus filhos: escritores, músicos e criadores de várias formas de arte. Todos eles lutaram com a tradição, mas sua luta foi racional, não emocional. Sem se cortar o cordão umbilical, nenhum novo início inovativo pode ser feito, seja criando ou procriando. Essa é a mensagem de Sarasvati.

O olhar irônico de Sarasvati, podem ter certeza, observa a luta de Kali por poder contra os demônios masculinos e os subterfúgios de Lakshmi no mundo masculino de poder e plenitude. Mas ela se mantém uma testemunha, uma historiadora apaixonada. Ela é a única que acredita na futilidade de todos os tipos de guerra e armadilhas da riqueza.

É de se compreender que uma Deusa como ela possa ser venerada por pessoas humildes e donas-de-casa, mas não amada e idolatrada como Lakshmi, ou até mesmo temida e reverenciada como Shakti. Sarasvati continua sendo a deusa asceta imaculada, para quem nenhum templo é construído e que não oferece nada além de conhecimento, nada de proteção ou riquezas.

(Esse texto é uma versão de 'Lakshmi and Saraswati - Tales in Mythology and Art', escrito por Nitin Kumar e publicado em dezembro de 2000)