quarta-feira, janeiro 09, 2008

Os filhos de Anfitrite


Do livro "Os Deuses Gregos" - Karl Kerényi

Posídon, o marido turbulento não só de Anfitrite, mas também de muitas Nereidas, Náiades, ninfas e heroínas, foi o pai de numerosos filhos que desempenharam suas partes na saga heróica. Entre estes havia não somente heróis mas tembém seres selvagens e violentos que foram derrotados pelos heróis - seres como Polifemo, o Ciclope, cujo castigo, aplicado por Ulisses, reclamava a vingança de Posídon. As histórias dos deuses que estou relatando agora não fornecem ensejo para uma nova descrição desses seres. mas posso falar dos filhos dades por Anfitrite a Posídon - ou, pelo menos, dos dois mais famosos e que já mencionei: Tritão e a deusa-ilha Rodes.


Hesíodo chamava Tritão de "o da força ampla" e descrevia-o como um grande deus que habitava o fundo do mar, no palácio de ouro de sua adorada mãe Anfitrite e seu senhor e pai Posídon. Segundo o poeta, era uma divindade terrível. Já fiz alusão ao seu caso de amor com Hécate, e também ao modo com que Héracles o venceu pela força na presença do tríplice "Velho do Mar" - cuja arte de metamorfose o deus mais moço aparentemente não possuía. Tritão tinha uma forma semipíscea e semi-humana e pode ser melhor comparado com os Silenos e os Sátiros. A única diferença existente entre eles estava em que estes se haviam desenvolvido a partir de seres humanos disfarçados em criaturas da terra, ao passo que os protótipos de Tritão eram homens que se enfeitaram com caudas de peixes ou de golfinhos. Antiga pintura de vaso da Itália mostra um trio de dançarinos assim.

Os contos que falam em Tritão podem ser sintetizados da seguinte maneira: ele era o Sileno ou Sátiro do mar, estuprador de mulheres - na verdade, estuprador de meninos também, e desde os tempos mais remotos esses estupros eram levados a efeito por vários Tritões ao mesmo tempo -, um ser capaz de despertar o terror e desencaminhar os homens com a sua trompa de concha. Os Tritões eram às vezes seguidos de Tritões femininos. De ordinário, porém, as Nereidas os acompanhavam quando eles nadavam em procissões nupciais mar afora, celebrando o casamento de Posídon e Afrodite, ou o nascimento de Afrodite, ou os mistérios revelados, segundo consta, pelas Nereidas ao gênero humano.

A história da deusa Rodes, filha de Anfitrite, passa-se, toda ela, no meio das vagas espumejantes de sua mãe; no entanto, ela também nos apresenta à família do deus-sol. O nome Rodes está inseparavelmente ligado a rhodon, "rosa", assim como a deusa está inseparavelmente ligada à ilha. Dizia-se que quando Zeus e os outros deuses partilharam a terra entre si, a ilha de Rodes ainda não era visível: jazia escondida nas profundezas do mar. Hélio, o deus-sol, ainda não se apresentara à partilha, de modo que os outros o deixaram, o deus imaculado, sem propriedades. Quando, de inopino, se lembraram dele, Zeus propôs que cancelassem a partilha e começassem de novo. Hélio, porém, não consentiu nisso. Afirmou ver uma frágil nesga de terra erguendo-se do mar. Chamou Láquesis, a deusa da partilha, para que erguesse as mãos e jurasse, juntamente com os outros deuses e o filho de Crono, que o que quer que estivesse agora aparecendo caberia a ele como seu quinhão. E assim aconteceu: a ilha brotou das águas salgadas e passou a pertencer ao pai gerador dos raios do sol, o auriga dos corcéis que despedem o fogo. Na ilha, o deus se consorciou com a deusa Rodes e dela teve filhos. No princípio, a ilha e a deusa eram uma única pessoa, assim como o eram Delos e a deusa-estrela Astéria; ou como Lemnos, ilha dos Cabiros e de Hefesto, e sua Grande Deusa, que também se chamava Lemnos.

Um comentário:

professor Jorge Eduardo Garcia disse...

Excelente. Melhor não podia ser. Jorge Garcia