sábado, abril 01, 2006

Palavras Indígenas II

Narrativas sobre a origem do mundo




O Irmão de Eva – Sateré-Mawé

Vidal, rio Manjuru (AM) – 1996

Antigamente a gente não morria, porque todos nós, índios, morávamos lá, no nusoquen [terreiro de pedra]. Lá foi a primeira terra que nós habitamos.

Mas foi depois que existiu a morte, que a irmã dele morreu, quando ele abandonou essa casa primeira, que ele convidou o Adão. Tupana mandou eles saírem de lá, daquela paragem. “Olha, Adão, chama teu povo para siar daí, daquela paragem”. Ele falou assim: “Adão, chama teu povo para continuar, para ele ir embora, para sair daí. Vai ter muitas frutas pelas matas que vocês vão atravessar. Mas eu não quero que vocês fiquem se entretendo. Eu vou na frente”.

Ele insiste: “Vocês vão ter muita fruta, mas vocês não vão se entreter”. Mas o Adão é teimoso. Quando ele chegou lá, numa fruteira, ele trepou e foi cortar o galho da fruteira. Lá o povo dele se entreteve, quando eles seguiram, seguiram e seguiram. De noite já, eles encontraram uma sorveira. Estava cheio de fruta, ele derrubou e eles demoraram mais uma vez. Eles já estavam na viagem, mas ficavam se entretendo por aí. Encontraram também uma árvore de caramuzeiro e lá o Adão trepou de novo. E em vez deles seguirem na frente, sem se entreter, não, eles se pararam na fruta até o anoitecer. Lá eles acamparam e, quando foi de dia, seguiram. Encontraram logo uma bacabeira e apanharam muita bacaba. Aí, eles se entretiveram, fizeram um bule de vinho e o beberam todinho. Lá eles fizeram um barraco, de novo, para dormir. Quando se lembraram que Deus lhes tinha mandado ir na frente: “Podem ir embora, que tal dia eu vou pra lá”. Aí nessa lembrança, ele disse: “Eu não disse para vocês irem embora? Para quando eu chegasse, eu ia fazer um barco, uma canoa”. O velho veio por onde eles vieram. Por onde eles vieram, Deus passou também. Lá, ele encontrou de novo uma árvore derrubada. “Puxa vida, eles não me ouviram. Bem que eu falei para eles que não se entretivessem nas coisas”. Ele andou um pouquinho e lá encontrou, de novo outra ávore derrubada. Lá, ele achou foi barraco. “Aqui, eles ficaram”. Ele andou, andou, de novo e lá ele encontrou outra fruteira derrubada. “Puxa vida; o Adão não me ouviu que eu falei para não se entreter com o pessoal dele. Eu disse a ele que, à tarde, eu ia lá com eles. Quando chegasse lá, já ia estar pronto para ir embora”. Ele os encontrou, lá onde tinham se entretido: “Puxa, Adão, você não ouviu o que eu disse para você. Eu falei para você vir embora. Então, eu já vou”. E ele passou na frente e eles ficaram para trás. “Eles ficaram para trás, porque o Adão não ouviu o que eu lhes disse”. Durante a sua viagem, ele falou a um passarinho weitapin “joga no caminho um bocado de serrado para eles não descobrirem mais por onde eu fui”. De repente, o seu rasto ficou coberto e eles não souberam mais por onde seguí-lo.

Quando chegou na beira do rio, ele atravessou – ele é poderoso, né? Era um rio bem grande. De repente ele transformou uma pedra numa cachoeira e eles não conseguiram mais passar. Eles chegaram até a beira, lá eles corriam de um lado para o outro e gritavam: “Ei! Para onde que vocês foram!? Para onde que vocês foram!? Como que vocês atravessaram!?”. E escutaram o baque; era que estavam fazendo navio para eles irem já, para irem para fora. Porque Deus fez aquele barco para eles irem embora. Mas o Adão, que não ouviu conselho, ele ficou. E ele chamou, chamou. Até que Deus respondeu: “Olha, Adão, eu já não dei conselho para ti? Para tu me seguir com teu povo, mas tu não me ouviste. Tu vais ficar”. Ele chamou mais ainda, e Deus respondeu do outro lado: “Olha, Adão: Eu achei melhor que você ficasse mesmo. Porque se nós abandonarmos toda a nossa terra, não iria dar certo. Vocês têm que trabalhar. Vocês têm que voltar. Tu tens que dizer para a tua mulher, para Eva: É melhor que nós vamos embora para nossa casa. Porque ele convidou, mas nós não ouvimos o conselho, então nós temos que voltar, nós temos que trabalhar muito porque nós temos muita plantação [sese motpap ipoityp mikoí]”. Aí, eles cuidaram de ir de novo para lá de onde eles vieram. Se eles tivessem ouvido o conselho de Deus, nós não íamos ficar como nós, na mata. Nós não íamos trabalhar na roça. Mas nós não aproveitamos nadinha.

Aqueles que foram com Deus, estão trabalhando para irem embora. Mas eles não, os que ficaram, se entretiveram na fruta. Ela se lembrou e disse: “Eu tenho um irmão que me deu machado, terçado, ferro de cova, e eu deixei; por isso nós temos que ir embora de novo”. Disse Eva, convencendo seu marido.

O passarinho tikwã [Mimus gilvus. Mimidae] estava dizendo, cantando lá em cima do barco deles: “tikwã, tikwã”: “Olha, não demora: a chuva já vai arriar”. Aí o Imperador, que era o secretário de Deus, o velho, disse: “Mas o que diacho esse passarinho está adivinhando!?”. E se pôs a ralhar com ele, achando que estava mais do que abusado da cara. Aí, falou umas coisas para o tikwã. E este respondeu: “Não, esse barco de vocês está para sair, para vocês ir embora”. O Imperador falou para ele não cantar mais perto dele. Deus tirou o livro de debaixo do braço. Puxou e aí, o Imperador olhou e disse: Está certo, o que Deus falou está certo. É o dia mesmo. Aí, não demorou e a chuva arriou. Aí criou aquela grande água, lá onde o navio estava. Choveu, choveu, choveu, até que conseguiu sair aquele braco de lá, de cima da terra. Aí eles se embarcaram e foram embora, se escondendo da morte.

Eles foram embora se esconder de muitas doenças. O vento é que transmite a doença: de muito longe vem febre, gripe, tudo quanto é doença. Eles se queriam esconder de tudo isso, mas não teve jeito.

Toran

O Imperador era Índio

Alfredo Barbosa (Porto Alegre, rioAndirá, AM, 1996)

A primeira pessoa que nasceu foi tapuya, depois foi o karaiwa. Por isso que os tapuya-in ficaram como donos da mata na'apy kaiwat, eles moram na própria tera mesmo. Depois apareceu uma pessoa, "o Imperador" que disse que era para eles não ficarem na mata e sim para irem para yarupap ["lugar onde estão encostados os barcos"]... "Lá... não sei para onde".

O Imperador falou: "Vamos embora para baixo, para fora". Lá foram eles, foram andando, mas encontraram fruteiras e ficaram entretidos e deixaram de caminhar. O Imperador foi na frente e chegou no barco e esperou lá muito tempo. Mas como o povo não chegava, ele convidou a nação waçaria ("Sapos")1, para remar para ele. Na época não existia motor. E se foram para ywysasare2. O Imperador era índio. Ele deu a educação we'eghap [conhecimento, saber]. Ele disse: "Vocês aprenderão fazer muita coisa". Os que foram remando, a nação sapo [waça], ficou na cidade [tawa wato: aldeia grande] e nós ficamos aqui no mato. Eles deram origem aos brancos como vocês, aos japoneses, americanos, são todos magka?i, aquele sapinho branco. Lá ele deu inteligência para fazer avião, rádio, televisão. Ele achou que era bom que tapuya ficasse cuidando de tanta riqueza que tinha nos matos e disse que um dia ele mandava alguém trazer espingarda, machado, terçado, máquina, machado novo, para trocar por produto. São os regatões. Ele disse que um dia ia contribuir com essas coisas que hoje estão nas cidades e que o regatão traz. Morekuaria mit po'oro koi, isto é o que as autoridades mandam.

Toran

1- Um dos numerosos clãs (ywaniaria) que constituíram o povo Sateré-Mawé.
2- Expressão antiga traduzida como "para fora".


Uruhe’i e Maripyaipok

Dona Maria Trindade Lopes (Vida Feliz, rio Andirá, AM, 1996)

Existiram dois irmãos que iam descendo quando o imperador o chamou para descer pra fora (à jusante). Uri era o nome da mulher, mas como quando iam descer ela cochichou [‘he?i-‘he?í] ao ouvido do irmão que ela tinha esquecido uma coisa: o seu banco, foi chamada de Urihe?i: Uri cochichou: Urihe?i-he?i. O irmão dela chamava Mari, mas como ele voltou, também a causa do apelo da irmã, chamaram ele Mari-aipok: Mari voltou: Mari py aipok: [Mari pé voltou]. Uri era o nome de Eva em língua sateré. Dela surgiram todos os sateré.

Toran

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