Você pode achar que nunca ouviu falar de Shankaracharya, mas é provável que você mesmo ou alguém que conheça tenha sido influenciado pelo seu pensamento. Shankara foi um dos primeiros yogis a divulgar amplamente a idéia de que o mundo é um total "maya", uma ilusão, e que nós na realidade, somos todos um.
Ele foi um dos pensadores mais influentes da história asiática. Entretanto, na maior parte da sua vida, desprezou o princípio feminino, considerando tudo o que dissesse respeito à matéria ou ao desejo uma condição inferior do ser.Certo dia, no final de sua curta vida, quando estava entrando em um templo de Shiva, Shankaracharya encontrou uma mulher histérica de casta inferior bloqueando seu caminho. Ela soluçava descontroladamente sobre o cadáver do marido. Shankara achou a cena repugnante e desagradável.
- Saia do meu caminho! - ordenou.
A mulher iletrada olhou para ele com desconfiança.
- Voce não é o mestre que diz que todas as coisas são Brahman, que todas as coisas são Deus, que não há impureza em lugar algum? - retrucou ela, com amargura. - Se eu não sou impura, por que devo sair do seu caminho? Se eu sou a realidade onipresente, com "posso" sair do seu caminho?
Shankara ficou chocado demais para responder.
A mulher ainda não tinha terminado.
- O seu poderoso Brahman não é mais do que isto! - gritou ela, apontando o marido morto.
Naquele momento, a mente do grande pensador se abriu com violência. Ele se lembrou de uma das imagens mais dramáticas da vasta iconografia religiosa da Índia: a esfarrapada Deusa Kali pressionando o cadáver do Deus Shiva. "Sem o poder Dela, o próprio Shiva não é capaz de se erguer", dizem os shaktas, os adoradores da Deusa.
Naquela fração de segundo, Shankara compreendeu que, ao negligenciar a Deusa, ele perdera a própria essência da vida. Imaginando Brahman como consciência totalmente abstrata, pura e imóvel, ele tinha esquecido o aspecto fecundo, criativo e vivo da realidade, o feminino. Agora, a própria Kali estava se manifestando para fazê-lo lembrar da sua glória.
Para horror dos seus discípulos, Shankaracharya ajoelhou-se e segurou os pés da mulher, agradecendo-lhe pela lição.
- Não, você não é impura. A minha mente é que era impura. Nunca encontrei um mestre maior do que você.
Shankara desistiu de escrever sobre filosofia e passou os últimos anos de sua vida compondo poemas extáticos para a Deusa, alguns dos quais ainda são considerados como os mais lindos entre os versos do idioma sânscrito.
Através dos séculos, desde Shankara, as mulheres de percepção extraordinária, quer festejadas, quer anônimas como a pesarosa viúva, deixaram as suas marcas indeléveis na espiritualidade indiana, com ou sem a aprovação da sociedade.
Hoje mulheres semelhantes andam pelo solo da Índia. Algumas cuidam de suas famílias em aldeias rurais inatingíveis por qualquer estrada pavimentada. Algumas estudam ou ensinam em universidades. Algumas vivem invisivelmente em choupanas nas florestas e em cavernas nas montanhas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário