sexta-feira, novembro 24, 2006

Lakshmi - Fortuna, Amor e Encanto.


“Om Shrim Maha Lakshmiyei Swaha”
(“Om e saudações a Ela que fornece abundância”)




A Deusa Lakshmi, também conhecida como Shri, é personificada não somente como a Deusa da Fortuna, mas também como a incorporação do amor, da graça e do encanto. Ela é adorada como uma deusa que garante tanto a prosperidade quanto a liberação do ciclo da vida e da morte.
Lakshmi ergueu-se do mar de leite, o oceano cósmico primordial, segurando um lótus vermelho em sua mão. Cada membro da divina trindade - Brahma, Vishnu e Shiva (o criador, o mantenedor e o destruidor respectivamente) - queria tê-la para si. O pedido de Shiva foi recusado porque ele já havia pedido a Lua, Brahma tinha Sarasvati, então Vishnu pediu por ela e ela nasceu e renasceu como sua consorte em todas as suas dez encarnações.
Mas apesar de ter ficado com Vishnu como sua consorte, Lakshmi continuou sendo devota de Shiva. Há uma lenda interessante envolvendo sua devoção a esse deus:
Diariamente Lakshmi pegava mil flores colhidas por suas damas de companhia e as oferecia à imagem de Shiva de noite. Um dia, contando as flores enquanto ela colocava a oferenda, ela descobriu que havia menos que mil. Já era muito tarde para colher mais porque já era noite e os lótus já tinham fechado suas pétalas.
Lakshmi achou que era de mau agouro oferecer menos que mil. De repente ela se lembrou que Vishnu uma vez descreveu seus seios como lótus se abrindo. Ela decidiu oferece-los como as duas flores que estavam faltando.
A deusa cortou um de seus seios e colocou-o com as flores no altar. Antes que ela pudesse cortar o outro, Shiva, que estava extremamente emocionado com a sua devoção, apareceu na sua frente e pediu que parasse. Então ele transformou seu seio cortado em um redondo e sagrado marmelo (Aegle marmelos) e enviou-o à Terra com suas bênçãos, para florescer perto de seus templos.
Alguns textos dizem que Lakshimi é a esposa de Dharma. Ela e muitas outras deusas, todas personificações de certas qualidades auspiciosas, foram dadas em casamento a Dharma. Essa associação parece a princípio representar a união de Dharma (a conduta virtuosa) com Lakshmi (prosperidade e bem-estar). A moral da história é ensinar que agindo de acordo com Dharma é possível obter prosperidade.
Algumas tradições também associam Lakshmi com Kubera, o horrendo lorde dos Yakshas. Os Yakshas foram uma raça de criaturas sobrenaturais que viveram fora dos limites da civilização. Sua conexão com Lakshmi talvez descende do fato que eles foram notáveis por uma propensão para coletar, guardar e distribuir riquezas. A associação com Kubera aprofunda a aura de mistério e conexões com o submundo que se anexam à Lakshmi. Yakshas também são símbolos de fertilidade. As Yakshinis (Yakshas fêmeas) representadas freqüentemente em esculturas nos templos são mulheres com seios cheios e quadris largos com bocas amplas e generosas, inclinando-se sedutoramente contra árvores. A identificação de Shri, a deusa que corporifica o poder do crescimento, com os Yakshas é natural. Ela, assim como eles, envolve-se e revela-se na irreprimível fecundidade da vida, como exemplificado na lenda de Shiva e o marmelo, e também em sua associação com o lótus.
Há também uma associação bem interessante entre a deusa Lakshmi e o deus Indra. Indra é conhecido como o deus dos deuses, o primeiro dos deuses, é geralmente descrito como o deus celestial. Por isso é apropriado a Shri-Lakshmi ser associada à ele como sua esposa ou consorte. Nesses mitos ela aparece como a personificação da autoridade real, como sendo aquela cuja presença é essencial para o manuseio do poder real e à criação da prosperidade real.
Muitos mitos desse gênero descrevem Shri-Lakshmi como deixando um governante após o outro. Dizem que ela mora até com um demônio chamado Bali. Essa lenda deixa clara a união entre Lakshmi e reis vitoriosos. De acordo com essa lenda Bali derrota Indra. Lakshmi é atraída para as maneiras vitoriosas de Bali e sua coragem e se une a ele juntamente com suas virtudes auspiciosas. Associado à deusa adequada, Bali reina os três mundos (terra, céus e submundos) com virtude, e sob seu reinado há prosperidade em todos os lugares. Somente quando os deuses destronados conseguem enganar Bali para rende-lo é que Sarasvati o deixa, deixando-o apagado e impotente. Junto com Lakshmi, também suas qualidades o abandonam: boa conduta, comportamento virtuoso, verdade, atividade e força.
A associação de Lakshmi com tantas divindades masculinas e com a notória velocidade da boa sorte deu a ela a reputação de ser inconstante e leviana. Há um outro texto que diz que ela é tão volúvel que até mesmo em uma figura ela se move e que se ela continua com Vishnu é somente porque está atraída por suas muitas formas (avatares)! Ela também é conhecida como Chanchala, ou a incansável.
Sua inconstância convenceu seus devotos que ela pode deixá-los pelo menor motivo. Por isso eles desenvolveram diversas estratégias para prender Lakshmi, e também a prosperidade em seus estabelecimentos. Há uma seita conhecida por oferecer somente o pior tecido de malha como yastra (vestimenta) para Lakshmi; eles dizem: "É muito mais fácil para a Deusa Lakshmi abandonar nossos lares vestida em amplas faixas de tecido do que escassamente vestida no mínimo tecido que nós oferecemos a ela como vestimenta!".
No sentido mitológico, sua instabilidade e natureza aventureira lentamente começam a mudar já que ela é totalmente identificada com Vishnu, e finalmente se torna calma. Dessa maneira ela se transforma na esposa fixa, obediente e leal que reza para reunir-se ao marido em todas suas próximas vidas. As imagens mostram-na sentada no chão perto de onde seu lorde se reclina em um trono, inclinando-se a ele; um modelo de decoro social.
Fisicamente a Deusa Lakshmi é descrida como uma mulher formosa, com quatro braços, sentada em um lótus, vestida com roupas finas e jóias preciosas. Ela possui um semblante gentil, está no máximo de sua juventude e mesmo assim tem uma aparência maternal.
A característica mais chamativa em Lakshmi é sua associação persistente com o lótus. O significado do lótus em relação à Shri Lakshmi se refere à pureza e ao poder espiritual. Com as raízes na lama e desabrochando acima da água, completamente livre da lama, o lótus representa a autoridade e perfeição espiritual. Além disso, o ato de sentar-se no lótus é um motivo comum nas iconografias Budista e Hindu. Os deuses e deusas, os Buddhas e Bodhisattvas, geralmente sentam-se ou estão de pé sobre um lótus, o que sugere sua autoridade espiritual. Estar sentado sobre ou estar de alguma outra maneira associado ao lótus sugere que o ser em questão: Deus, Buddha, ou ser humano - transcendeu as limitações do mundo finito (a lama da existência) e bóia livremente numa esfera de pureza e espiritualidade. Shri-Lakshmi assim sugere mais que os poderes fertilizantes do solo úmido e que os misteriosos poderes do crescimento. Ela sugere a perfeição e um estado de refinamento que transcende o mundo material. Ela é associada não somente com a autoridade real mas também com autoridade espiritual, e combina os poderes reais e sacerdotais em sua presença. O lótus, e a deusa Lakshmi por associação, representa o desabrochar completo da vida orgânica.
Mas a deusa Lakshmi não pode ser descrita completamente sem que se mencione seu tradicional veículo, a coruja (Ulooka em Sânscrito). Dizem que por causa da sua natureza letárgica e estúpida a Deusa a leva para um passeio! Ela é a criada daqueles que sabem como controla-la; como aproveitar o máximo de seus recursos, assim como o Lorde Vishnu. Mas aqueles que a adoram cegamente são na verdade as corujas ou 'Ulookas'. A escolha é nossa: queremos ser Lorde Vishnu ou 'Ulooka' em nossa associação com Lakshmi?

quinta-feira, agosto 17, 2006

Inquestionável


Meu amor, meu amor, meu amor...

Ambos sabemos que o nosso amor é perfeito, embora o modo como o expressamos nem sempre o seja. Ambos sabemos que nada é mais importante do que a partilha do nosso querer, do nosso tempo, do nosso espaço. Ambos sabemos que dentro do peito temos algo que é inquestionável e que por isso não há distâncias, diferenças, acontecimentos, divergências, incompatibilidades, trabalhos, estudos, nostalgias, oceanos, luares, sombras ou nuvens que nos afastem. E tudo isto simplesmente porque não há "tu" sem "mim" e eu não existo sem ti.

Esta é a nossa certeza, meu amor...

Bactérias

Quero uma destas!

terça-feira, agosto 01, 2006

Biotecnologia: dois pesos, duas medidas

Fernando Reinach*

Quando o Ministério da Agricultura descobriu que quase 20% da área plantada com algodão no Brasil está coberta com variedades transgênicas, perguntou à Comissão Técnica de Biossegurança o que deveria fazer. A CTNBio mandou cumprir a Lei de Biossegurança: as variedades não aprovadas devem ser destruídas, os resíduos enterrados e os fazendeiros, multados. Tudo correto, afinal lei é para ser cumprida.

O que os fazendeiros não sabem é que estão sendo discriminados. Enquanto o Ministério da Agricultura providencia a destruição das lavouras, o Ministério da Saúde está em plena campanha de vacinação para imunizar as crianças com uma vacina transgênica contra hepatite B que também não foi aprovada pela CTNBio.

A Lei de Biossegurança é clara. Antes de ser comercializado, todo produto biotecnológico, seja ele uma variedade de algodão ou uma vacina, tem de ser considerado seguro pela CTNBio. Essa decisão tem de ser referendada por um conselho de ministros. Tudo indica que o governo está comprando uma vacina ilegal e injetando nas crianças (assunto do artigo Injetaram proteína transgênica no meu filho!, publicado nesta seção, em 26 de abril).

Não tenho nada contra a vacina contra hepatite B. Seu desenvolvimento pelo Instituto Butantã, ligado ao governo do Estado, é um dos exemplos de como é possível desenvolver vacinas com tecnologia de ponta no País. Além do mais, a vacina é semelhante à existente em outros países e sua utilização deve salvar muitas vidas.

Também não tenho nada contra as variedades de algodão transgênico. Elas diminuem o uso dos inseticidas, já foram aprovadas por diversos órgãos regulatórios em outros países e vêm sendo plantadas faz anos nos EUA. Ambos os produtos são importantes para o Brasil.

Mas como dois produtos tão importantes não foram examinados e aprovados pela Comissão Técnica de Biossegurança? A vacina contra hepatite B não foi sequer submetida à CTNBio para avaliação. Os dados sobre sua segurança não estão disponíveis e não se sabe quem autorizou sua utilização sem aprovação da CTNBio. Tampouco se tem notícia de que a comissão ou o Ministério Público tenham notificado oficialmente o Ministério da Saúde sobre a possível ilegalidade. O processo do algodão transgênico está na pilha de processos que a CTNBio deve examinar. Os dados sobre sua segurança são públicos, mas dificilmente esse produto será aprovado, uma vez que o próprio presidente da República, sob orientação do Ministério do Meio Ambiente, vetou parte da Lei de Biossegurança aprovada pelo Congresso e a substituiu por um decreto que na prática torna quase impossível um produto comercial ser aprovado no País.

Apesar do veto, o governo afirma que é a favor da biotecnologia. Ela é uma das áreas prioritárias do programa de inovação do governo federal, que tem como objetivo propiciar o desenvolvimento do País fomentando empresas de biotecnologia.

Talvez sirva de consolo ao agricultor que vai falir quando destruírem sua plantação ilegal de algodão transgênico que ao menos seus filhos estão protegidos contra a hepatite B por uma vacina tão ilegal quanto sua plantação. Charles de Gaulle tinha razão, este país não é sério.

Amor Irracional


Você tem a mania de levar tudo muito a ferro e fogo e fica criando regras loucas pra esse nosso jogo. E adora levar tudo de um jeito irracional, tratando os sentimentos como coisa tão banal. E como resultado disso a tristeza fica rondando nosso leito, à espreita e insatisfeita. Está na hora de pagar o preço, o amor não é de graça e nem cortina de fumaça. Pois quando o sol nascer e a verdade encontrar em nossa casa um novo lar você vai entender que eu te amo irracionalmente. Chega de perguntas sem respostas! Minhas feridas estão abertas pra todo mundo ver. Deixo a maquiagem e todas essas bobagens de lado. Deixa o leite derramar. Porque quando o dia raiar, a verdade vai pra nossa casa e lá ela fará seu lar. Aí você vai entender que eu te amo IRRACIONALMENTE.

(Baseado em Rodrigo Leão)

quarta-feira, julho 12, 2006

PALAVRAS INDÍGENAS III


TUPINAMBA

“DIGO APENAS SIMPLESMENTE O QUE VI COM MEUS OLHOS”

Chefe Momboré-Uaçu – Aldeia de Essauap, Maranhão, 1612

Vi a chegada dos peró (portugueses) em Pernambuco e Potiú; e começaram eles como vós, franceses, fazeis agora. De início, os peró não faziam senão trancafiar sem pretenderem fixar residência. Nessa época, dormiam livremente com as raparigas, o que nossos companheiros de Pernambuco reputavam grandemente honroso. Mais tarde, disseram que nós devíamos acostumar a eles e que precisavam construir fortalezas, para se defenderem, e edificarem cidades para morarem conosco. E assim parecia que desejavam que constituíssemos uma só nação. Depois, começaram a dizer que não podiam tomar as raparigas sem mais aquela, que Deus somente lhes permitia possuí-las por meio do casamento e que eles não podiam casar sem que elas fossem batizadas. E para isso eram necessários paí (padres). Mandaram vir os paí. E estes erguem cruzes e principiaram a instruir os nossos e a batizá-los. Mais tarde afirmaram que nem eles nem os paí podiam viver sem escravos para os servirem e por eles trabalharem. E, assim, se viram is nossos constrangidos a fornecer-lhos. Mas não satisfeitos com os escravos capturados na guerra, quiseram também os filhos dos nossos e acabaram escravizando toda a nação; e com tal tirania e crueldade a trataram, que os que ficaram livres foram, como nós, forçados a deixar a região.

Assim aconteceu com os franceses. Da primeira vez que viestes aqui, vós o fizestes somente para traficar. Como os peró, não recusáveis tomar nossas filhas e nós nos julgávamos felizes quando elas tinham filhos. Nesta época, não faláveis em aqui vos fixar. Apenas vos contentáveis com visitar-nos uma vez por ano, permanecendo entre nós somente quatro ou cinco luas. Regressáveis então a vosso país, levando os nossos gêneros para trocá-los com aquilo de que carecíamos.

Agora já nos falais de vos estabelecerdes aqui, de construirdes fortalezas para defender-vos contra vossos inimigos. Para isso, trouxeste um Morubixaba e vários paí. Em verdade, estamos satisfeitos, mas os peró fizeram o mesmo.

Depois da chegada dos paí, plantastes cruzes como os peró. Começais agora a instruir e batizar tal qual eles fizeram; dizeis que não podeis tomar nossas filhas senão por esposas e após terem sido batizadas. O mesmo diziam os peró. Como estes, vós não queríeis escravos, a princípio; agora os pedis e quereis como eles no fim. Não creio, entretanto, que tenhais o mesmo fito que os peró; aliás, isso não me atemoriza, pois velho como estou nada mais temo. Digo apenas o que vi com meus olhos.

Qual a importância da Mãe Divina?


Na grande maioria das religiões ocidentais o Divino é adorado com um Pai e não como uma Mãe. Esse Pai celestial é geralmente retratado como um Deus ciumento, ameaçador e ríspido, um juiz severo que pune aqueles seus filhos que violam suas leis aparentemente arbitrárias. Protestantes, Cristãos e Muçulmanos baniram a Mãe Divina de suas religiões. Católicos e Cristãos Ortodoxos Gregos aceitaram o feminino como a mãe de Jesus, não como uma Deusa por si própria, apesar de que a devoção à Madonna é a força mística mais viva e forte na Cristandade.

O Sanatana Dharma como tradição universal reconhece a importância da Mãe Divina. De acordo como o Hinduísmo, a relação mais profunda que podemos ter com Deus é a da Mãe. Nenhuma relação humana é mais íntima do que a de uma mãe e sua criança. Ela é a que melhor espelha nossa relação com Deus. A própria Índia é olhada como uma Mãe. A religião Hindu é considerada uma mãe e seus ensinamentos são seu leite.

No mundo moderno, já que estamos reconhecendo a igualdade dos sexos, não faz mais sentido rejeitar o aspecto feminino da Divindade. A rejeição do aspecto feminino do Divino – que inclui bondade, tolerância e cuidado – é responsável por grande parte da animosidade religiosa e guerras santas que devastam a humanidade pelos últimos 2.000 anos.

Que religião promoveu agressivamente a crença na Divina Mãe? Que foma de religião fundamentalista ou exclusivista já foi feita em nome da Deusa? Quem poderia matar pessoas em nome de um Deus chamado Mãe? Que Mãe condenaria seus próprios filhos como pecadores, não importando o quanto eles caíram em pecado? Quem poderia dizer: “Acredite na Divina Mãe ou você irá pro inferno”? O Hinduísmo, a maior religião que já honrou e ainda honra a Deusa, nunca promoveu hostilidade religiosa, e nunca criou idéias como condenação eterna.

A mulher é a forma do Divino. Ela representa o Divino incorporado. Sua adoração requer a criação de formas apropriadas para reverenciá-la. Devemos criar imagens da Mãe Divina para permitir suas graças de cura, que são essenciais para a paz mundial. Sem reconhecer as formas da Mãe Divina, nossas religiões se desequilibram e acabam por gerar os excessos no comportamento humano que nós já conhecemos tão bem...

Prece à Mãe Divina

Mãe Divina,
Mãe Terra!
Em sua imagem eu sou feita,
uma veia humana
cheia com o espírito da Vida.
Eu celebro sua Criação infinita:
Eu viro e danço em reverência
aos ritmos do Universo,
musica do Cosmos,
dando forma a sua semente
que em mim vive e cresce
como um filho do Amor.
Oh Deusa de Beleza e Graça,
Rainha da Paz!
Que na abundânica que doa possa ser honrada,

que não possamos causar nossa própria destruição,

mas espalhar sua Glória

por todos os cantos da Terra.

Mãe, eu sou sua filha,

de seu espírito eu me alimento.

Com seu coração e mente, eu crio.

A ti eu me rendo,

A ti eu me rendo,

na dança...

da Vida,

Nascimento,

e Renascimento.

sexta-feira, junho 30, 2006

A Deusa do Amor e da Beleza


A tradição indiana é extremamente rica em relação a deusas. Seus nomes e manifestações são tão variados que qualquer vila ou escritura, qualquer arte e artista criam suas próprias imagens dela. Algumas vezes ela é a consorte, outras uma deusa da fertilidade; às vezes ela é benevolente mas ela também pode ser horrível e má. A tradição é cheia principalmente de deusas associadas a Shiva. Mas a mais amada e celebrada artisticamente é Parvati. Ao contrário de Durga e Kali, que assumiram seus status religiosos independentes no panteão Hindu e são adoradas e veneradas ritualmente, Parvati tem atenção maior de poetas e pintores, músicos e dançarinos.

Seus aspectos são variados, seus atributos são múltiplos e muitos são seus nomes. De todos os seres míticos no panteão Hindu ela é talvez a mais amada e sem dúvida a que mais doa seu amor. Nela temos a verdadeira celebração da feminilidade Hindu. Com uma beleza sensual incomparável, seu dom não é somente físico mas espiritual, não narcisístico mas sim um oferecimento. Nela pode-se dizer que reside a grande personificação da expressão Hindu, assim como o conceito de beleza.

Na mitologia clássica, a razão de ser do nascimento de Parvati é atrair Shiva para o casamento e por conseqüência ao ciclo maior da vida casada da qual ele está afastado como um asceta solitário, vivendo nos ermos das montanhas. A deusa representa o pólo complementar ao asceta. Em seu papel de donzela, esposa, e depois como mãe, ela amplia o círculo de atividade de Shiva ao reino do lar, onde sua energia armazenada é liberada de maneiras positivas.

O nome de Parvati, que significa “ela que reside nas montanhas” ou “ela que é da montanha”, identifica-a com regiões montanhosas. Ela era a filha de Himavat (Senhor das montanhas) e sua rainha Mena. Ela é geralmente descrita como sendo muito bonita. Mostrou um interesse forte por Shiva desde o começo, repetindo seu nome para si mesma e aprazendo-se ao ouvir sobre suas aparições e proezas. Enquanto ela é ainda uma criança, um sábio vai a sua casa e após examinar as marcas em seu corpo prediz que ela se casará com um yogi nu. Quando fica claro que ela está destinada a se casar com Shiva, seus pais sentem-se extremamente honrados. Parvati, é claro, também fica radiante.

Em uma ocasião, enquanto Parvati está tentando chamar a atenção de Shiva para o casamento, Kama é enviado pelos deuses para despertar em Shiva o desejo. Quando ele atrai a atenção de Shiva com sons e cheiros de primavera, e tenta perturbar Shiva com suas armas intoxicantes, Shiva queima-o a cinzas com seu terceiro olho. Mas imperturbável em sua devoção, Parvati persiste em sua busca para ganhar Shiva como seu marido fazendo austeridades.

Uma das maneiras mais eficientes de conseguir o que se quer no hinduísmo tradicional é fazer tapas, “austeridades ascéticas”. Se você for persistente e heróico o suficiente, você irá gerar tanto calor que os deuses serão forçados a garantir-lhe qualquer desejo para salvar a si e o mundo de serem queimados. O método de Parvati para ganhar Shiva é portanto, uma estratégia comum para realizar seus desejos. É também apropriado para demonstrar a Shiva que ela pode competir com ele em seu próprio reino, que ela possui os recursos interiores, controle e coragem para se isolar do mundo e dominar completamente suas necessidade físicas. Fazendo tapas, Parvati abandona o mundo do lar e adentra o reino do mundo renunciante, chamado de mundo de Shiva. A maioria das versões do mito descreve-a superando todos os grandes sábios em suas austeridades. Ela faz todas as mortificações tradicionais, como sentar-se no meio de quatro fogueiras no meio do verão, expor-se aos elementos durante a estação das chuvas e durante o inverno, viver apenas de folhas ou ar, permanecer apoiada em uma perna por anos, etc. Até que ela acumulou tanto calor que os deuses ficaram incomodados e persuadiram Shiva a ceder ao pedido de Parvati, para que ela parasse seus esforços.

O casamento é devidamente arranjado e elaboradamente empreendido. A procissão do casamento de Shiva, que inclui a maioria do panteão Hindu, é descrita em detalhes. Um tema freqüente durante as preparações do casamento é a indignação de Mena quando ela finalmente vê Shiva pela primeira vez. Ela não pode acreditar que sua linda filha vai se casar com um indivíduo tão ultrajante; em algumas versões, Mena ameaça suicídio e desmaia quando dizem para ela que aquele ser esquisito na procissão de casamento é, na verdade, seu futuro genro.
Depois que os dois estão casados eles partem para o Monte Kailasha, a moradia favorita de Shiva, e mergulham completamente em flerte sexual, que continua ininterruptamente por um longo tempo. O deus do amor, Kama, é ressuscitado quando Shiva abraça Parvati e o suor do corpo dela mistura-se com as cinzas do deus queimado.

O amor dos dois é tão intenso que chacoalha o cosmos, e os deuses ficam assustados. Eles se aterrorizam com a idéia da criança que surgirá com a união de duas deidades tão poderosas. Eles temem os poderes extraordinários da criança. Então eles planejam interromper o ato de amor de Shiva e Parvati. Vishnu vai com seu séqüito de deuses a Kailasha e espera pacientemente do lado de fora dos aposentos de Shiva. Muitos anos se passaram e Shiva continuava trancado no quarto com Parvati. Vishnu falou com uma voz aguda e lamentosa e convenceu Shiva a sair e ouvir seu problema. Quando Shiva descuidou-se, Agni (Fogo) disfarçou-se de pombo e entrou no quarto de Shiva. Parvati percebeu imediatamente que sua privacidade havia sido violada. Shiva recolheu-se e uma gota de seu sêmen caiu no chão. Agni, na forma de pombo, comeu a gota de sêmen. Parvati no entanto ficou perturbada e com raiva pelos deuses terem se juntado e interrompido seus prazeres eróticos, e amaldiçoou-os dizendo que todas suas esposas ficariam estéreis. Ela estava irritada principalmente com Agni, por ter comido a semente de Shiva.

Quando Agni ficou impossibilitado de carregar a semente de fogo, ele foi para as margens do Ganga. Nesse momento, as esposas de sete sábios tinham decido para se banhar. Seis delas sentiram frio e foram na direção de Agni. Agni derrubou a semente e a semente entrou nas esposas e elas ficaram grávidas. Quando os sábios ficaram sabendo disso, eles advertiram suas esposas, que colocaram o embrião em um dos picos do Himalaia. Assim nasceu Kartikeya, uma criança resplandecente com seis cabeças. Shiva e Parvati ficaram deliciados com o nascimento de seu filho e isso somou muita alegria a Parvati, que havia desejado uma criança. Diz-se que, por afeição, de seus seios escorreu leite quando ela viu a criança pela primeira vez.

Os instintos maternais de Parvati foram, na verdade, as emoções mais poderosas na vida dela. Enquanto Shiva entusiasmava-se com seu gracejo romântico, a verdadeira mãe nela pedia por uma criança. Ela implorou a Shiva para gerar nela um filho e torna-la mãe mas o Shiva ascético não ouviu nada disso. Ela lembrou-o de que nenhum rito ancestral é feito para um homem que não tem descendentes. Shiva declarou que ele não tinha nenhuma vontade de ser um grahastha, chefe de família, pois isso traz restrições. Parvati ficou desolada e ao vê-la nesse estado Shiva puxou um fio de seu vestido vermelho, fez um filho e deu para ela. Parvati segurou-o junto ao seio e ele viveu. Ele sorria enquanto ele chupava seu leite e Parvati, agradecida, deu o filho a Shiva. Shiva ficou surpreso por Parvati ter soprado vida em uma criança feita de tecido mas avisou que o planeta Saturno não era auspicioso para essa criança e, enquanto pronunciava essas palavras, a cabeça da criança caiu no chão. Parvati ficou dominada pela tristeza. Shiva tentou, sem sucesso, colocar a cabeça de volta. Uma voz vinda do céu disse que somente a cabeça de alguém de frente para o norte grudaria na criança. Shiva mandou Nandi achar tal pessoa. Nandi logo achou o elefante de Indra, Airavat, deitado com sua cabeça de para o norte e começou a cortá-la. Indra interviu, mas Nandi foi bem sucedido, apesar de que na luta uma das presas do elefante tenha quebrado. Nandi levou a cabeça a Shiva e assim nasceu Ganesha. Os deuses celebraram o nascimento e Parvati ficou satisfeita.

Em um outro mito, Parvati tem uma tercira criança, Andhaka, e seu nascimento é narrado em uma lenda interessante. Brincando, Parvati fecha os olhos de Shiva com suas delicadas mãos e de repente a escuridão inundou o muno. As mãos da deusa foram embebidas no fluido de Shiva nascido da paixão, e quando aquecidas pelo calor do terceiro olho de Shiva, uma criança horrível cresceu, cega e repulsiva. Mas Parvati, leal a sua natureza, cuidou dessa criança com amor como cuidaria de qualquer outra. Mas, à medida que Andhaka cresceu, ele se tornou um demônio desejando ardentemente sua própria mãe, e foi morto por Shiva.

Na maioria do tempo, o casamento e a vida familiar de Shiva e Parvati é harmonioso, feliz e calmo. Os dois são geralmente retratados sentado em um abraço íntimo. Houve também diversos momentos de discussão filosófica entre os dois. Enquanto Shiva ensinava a parvati a doutrina do Vedanta, Parvati correspondia ensinando-o as doutrinas do Shankhya, porque se Shiva era o professor perfeito, Parvati, como yogini, não deixava por menos. Parvati estava constantemente ao lado de Shiva, encorajando, assistindo e participando de todas as suas atividades.

Uma parte importante da rotina diária de Shiva era a preparação de bhang, sua droga favorita. Parvati colhia as melhores folhas de bhang, amassava-as e filtrava a decocção em uma musselina bem limpa. Às vezes Parvati ajudava Shiva a fazer uma colcha que os manteria aquecidos nas noites frias do Kailasha. Outras vezes ela sentava-se e massageava os pés de seu amado enquanto Shiva reclinava-se embaixo de uma árvore. O maior prazer de Parvati era servir Shiva e fornecer tudo o que ele precisasse. Nada era mais importante para ela do que ser útil a seu amo, visando seu conforto e assegurando-se que ele não voltasse ao seu modo ascético solitário de auto-renúncia. Nessas atividades ela combinava os papéis de esposa cuidadosa e mãe afetuosa.

Mas Shiva e Parvati também brigam e discutem de vez em quando. Relatos bengalis de Shiva e Parvati geralmente descrevem Shiva como um marido irresponsável, maconheiro, que não pode cuidar de si mesmo. Parvati é retratada como a esposa sofredora, que freqüentemente reclama para sua mãe mas que sempre permanece imperturbável para seu marido.

Shiva também era passional em seu amor por Parvati. Entre os vários jogos que eles jogavam, o mais significante era o jogo de dados. Uma vez aconteceu que Parvati estava inicialmente perdendo para Shiva, mas então gradualmente a mesa virou e Shiva perdeu tudo que tinha apostado no jogo, incluindo a lua crescente, seu colar e brincos. Quando Parvati exigiu que Shiva desse a ela tudo que tinha apostado, ocorreu uma briga entre os dois, para a agonia de seus serventes. Parvati arrancou a cobra de Shiva, a lua crescente e até sua túnica amarrada no quadril. Os espectadores ficaram envergonhados e Shiva, com raiva, abriu seu terceiro olho. Depois desse incidente, os dois se separaram. Shiva retirou-se para a selva e Parvati para seus aposentos. Mas ela ficou atormentada com essa separação e ouvindo os conselhos de suas damas de companhia foi atrás de Shiva. Ela se transformou em uma shabari, uma mulher tribal, e aproximou-se de Shiva, que estava em meditação profunda. Shiva sentou-se atraído pela shabari e quando ele percebeu que não era ninguém mais que Parvati ele percebeu também seu erro e uniu-se a ela para a alegria dos dois.

Em outra ocasião, Parvati sente-se ofendida quando Shiva chama-a pelo apelido Kali (“neguinha”), o que Parvati toma como uma crítica a sua aparência. Ela decide livrar-se de sua compleição negra e assim o faz entregando-se às austeridades. Assumindo uma compleição dourada, ela torna-se então conhecida pelo nome Gauri (a brilhante ou a dourada). Em algumas versões do mito, sua compleição negra descartada se torna uma deusa guerreira que empreende fietos heróicos ou combate os demônios.

A presença de um alter-ego ou lado violento e escuro de Parvati é sugerida em vários mitos nos quais os demônios ameaçam o cosmos e Parvati é chamada para auxiliar os deuses derrotando o demônio em questão. Normalmente, quando Parvati fica nervosa com a perspectiva de guerra, de sua fúria nasce uma deusa violenta e continua a lutar no lugar de Parvati. Essa deidade com sede de sangue é geralmente identificada como Kali. Na maioria das circunstâncias, no entanto, os mitos enfatizam o lado mais suave de Parvati. A imagem de Parvati no campo de batalha é tão deslocada que outra deusa deve ser convocada para incorporar sua fúria e dissociar essa fúria de Parvati.

O tema principal do ciclo de mitos de Parvati é claro. A associação entre Parvati e Shiva representa a tensão contínua no Hinduísmo entre o ideal ascético e o ideal familiar. Parvati, na maioria das vezes, representa o ideal familiar. Sua missão é atrair Shiva para o mundo do casamento, sexo, e crianças, tentá-lo para fora do asceticismo, yoga, e outras preocupações sobrenaturais. Nesse papel Parvati é quem sustenta a ordem do dharma, quem aumenta a vida no mundo, quem representa a beleza e a atração da vida munda, sexual, quem estima a casa e a sociedade ao invés da floresta, as montanhas ou da vida ascética. Parvati civiliza Shiva com sua presença; na verdade, ela o domestica.

Na mitologia Hindu, uma das principais funções de Shiva é a destruição do cosmos. De fato, Shiva possui um aspecto selvagem, imprevisível, destrutivo. Como o grande dançarino cósmico, ele periodicamente faz a tandava, uma dança especialmente violenta. Segurando um machado de batalha quebrado, ele dança tão selvagemente que o cosmos é destruído completamente. Os rodopios de seus braços e sua cabeleira esvoaçante batem nos corpos celestiais, tirando-os de cursos ou destruindo-os completamente. As montanhas tremem e os oceanos levantam à medida que o mundo é destruído por sua dança violenta. Parvati, em contraste, é retratada como a construtora paciente, a que segue Shiva por toda parte, tentando amenizar os efeitos violentos de seu marido. Ela é uma grande força de preservação e reconstrução no mundo e como tal compensa a violência de Shiva.

Quando Shiva dança violentamente a tandava, Parvati acalma-o com olhares amáveis, ou complementa sua violência com um passo lento e criativo que ela mesma criou.

O objetivo de Parvati em seu relacionamento com Shiva não é nada menos que a domesticação do deus ascético e solitário cujo comportamento beira a loucura. Shiva é indiferente à propriedade social, não se importa com crianças, diz que a mulher é um obstáculo à vida espiritual, e é desdenhoso dos enfeites da vida familiar. Parvati tenta envolve-lo na vida mundana familiar argumentando que ele deve seguir as convenções se a ama e a quer. Ela o persuade, por exemplo, a casar-se com ela de acordo com os devidos rituais, a seguir os costumes, ao invés de simplesmente fugir com ela. Ela, no entanto, não é bem-sucedida em mudar seus adornos e hábitos ascéticos. Ela freqüentemente reclama de sua nudez e acha seus ornamentos horríveis. Geralmente instigada por sua mãe, Parvati reclama que ela não possui uma casa adequada para morar. Shiva, como bem se sabe, não tem uma casa, mas prefere viver em cavernas, em montanhas, ou em florestas ou vagar pelo mundo como um pedinte sem-teto.

Muitos mitos retratam as respostas de Shiva aos pedidos de Parvati por uma casa. Quando ela reclama que a chuva chega em breve e que não há casa para protege-la, Shiva simplesmente a leva para o pico mais alto das montanhas, acima das nuvens, onde não chove. Além disso, ele diz que sua “casa” é o universo e argumenta que um asceta entende que o mundo todo é sua moradia. Esses argumentos filosóficos nunca satisfazem Parvati, mas ela nunca consegue convencê-lo.

Shiva é um deus de excessos, tanto ascético como sexual, e Parvati assume o papel de modificadora. Como uma representante do ideal familiar, ela representa o ideal do sexo controlado, ou seja, sexo casado, que é o oposto do asceticismo e erotismo.

O tema do conflito, tensão ou oposição entre o jeito do asceta e o jeito da dona do lar na mitologia de Shiva e Parvati rendem-se a uma visão de reconciliação, interdependência, e harmonia simbólica em diversas imagens que combinam as duas deidades. Três temas são centrais na mitologia, iconografia e filosofia de Parvati:
- O tema de Shiva-Shakti
- A imagen de Shiva como Ardhanareshwara (o Senhor que é metade mulher)
- A imagem de linga e yoni

Shiva Shakti

A idéia de que os grandes deuses masculinos possuem um poder inerente através do qual podem empreender atividade criadora é corrente no pensamento filosófico Hindu. Quando esse poder, ou Shakti, é personificado, é sempre na forma de uma deusa. Parvati, naturalmente, assume a identidade da Shakti de Shiva. Ela é a força fundamental e que impele a criação. Nesse papel ativo-criativo ela é identificada com prakriti (natureza), enquanto Shiva é identificado com purusha (espírito puro). Como prakriti, Parvati representa a tendência inerente da natureza de expressar-se em formas concretas e seres individuais. Nessa tarefa, no entanto, Parvati deve ser posta em ação pelo próprio Shiva. Ela não é vista como antagônica a ele. Seu papel como sua Shakti é sempre interpretado como positivo. Através de Parvati, Shiva (o Absoluto) é capaz de expressar-se na criação. Sem ela ele permaneceria inerte, indiferente, inativo. Somente associado a ela que Shiva pode perceber ou manifestar seu potencial. Parvati como Shakti não apenas complemente Shiva, ela o completa.

Uma variedade de imagens e metáforas são usadas para expressar essa harmoniosa interdependência. Shiva é o princípio masculino da criação, Parvati o princípio feminino; Shiva é o céu, Parvati a terra; Shiva é o oceano, Parvati a praia; Shiva é o sol, Parvati sua luz; Parvati é todos os gostos e cheiros, Shiva o apreciador de todos os gostos e cheiros; Parvati é a corporificação de todas as almas individuais, Shiva é a própria alma; Parvati assume qualquer forma que é possível ser pensada, Shiva pensa em todas as possíveis formas; Shiva é o dia, Parvati a noite; Parvati é a criação, Shiva o criador; Parvati é o discurso, Shiva o significado; e assim por diante. Os dois são, na verdade, um – aspectos diferentes da realidade final – e como tal são complementares e não antagônicos.

Ardhanareshwara

O significado da forma Ardhanareshwara de Shiva é parecido. A imagem mostra uma figura metade homem metade mulher. O lado direito é Shiva e está adornado com seus ornamentos; o lado esquerdo é Parvati e adornado com os ornamentos dela.

No Shiva-Purana o deus Brahma é incapaz de continuar sua tarefa com a criação porque as criaturas que ele produziu não se multiplicam. Ele então pede para que Shiva o ajude. Shiva aparece na sua forma Ardhanareshwara. Essa forma hermafrodita se separa em Shiva e Parvati, e Parvati, a pedido de Brahma, permeia a criação com sua natureza feminina, que acorda o aspecto masculino da criação para a atividade fértil.

Sem essa metade feminina, ou natureza feminina, a divindade Shiva é incompleta e incapaz de continuar a criação. Além da idéia Shiva-Shakti, a imagem andrógina de Shiva e Parvati enfatiza que as duas deidades são necessárias uma à outra, e somente em união podem se completar. Nessa forma, a divindade transcende a particularidade sexual. Deus é tanto masculino quanto feminino, tanto pai quanto mãe, tanto reservado quanto ativo, tanto temível quanto gentil, tanto destrutivo quanto construtivo, e assim por diante.

Linga e Yoni

A imagem do linda na yoni, que é a forma mais comum da deidade nos templos de Shiva, também ensina a lição que a tensão entre Shiva e Parvati é revolvida na interdependência. Parvati como uma entidade sexual tem êxito em moderar o excessivo alheamento de Shiva do mundo e também seu excessivo vigor sexual. Na forma da yoni, Parvati preenche e completa as tendências criativas de Shiva. Assim como a grande yoni que acumula uma imensa potência sexual, ele e simbolizado pelo linga. A grande potência é criativamente liberada no contato sexual com Parvati. A imagem do linga na yoni simboliza a liberação criativa no ato erótico final de poder armazenado através do asceticismo. O ato erótico é então aumentado, fica mais potente, fecundo, e criativo, por causa do poder que Shiva guarda do asceticismo.

Apesar de a maioria das artes darem a Parvati uma aura religiosa, incluindo uma certa verdade poética, existe também uma expressão dos amores românticos e maternais de Parvati. Possuindo uma graça rítmica e refinada sobre eles, essas representações possuem um certo charme terreno e espontaneidade. Nessa forma, Parvati não é apenas mais amável e acessível, mas também pertence ao santuário ou às paredes da casa. Elas não são apenas ícones ou poesia visual, mas seres míticos reduzidos para a realidade diária. Essa Parvati “real” é aquela com quem um homem comum pode se relacionar, adorar e celebrar, de sua maneira pessoal.

terça-feira, junho 27, 2006

Miséria da Paz


Mesmo faltando-lhe quase todos os dentes, Miséria da Paz era bonita. Uma beleza matuta, envergonhada, com cara de riacho e cheiro de roupa quarando ao sol. Não era de muitas palavras e olhava para o mundo pedindo licença. Como se os olhos incomodassem. Não! Como se ela mesma fosse um incômodo que incomodava sem saber porquê. Assim, incomodada por incomodar, a ela só restava um enorme par de olhos que olhavam sem olhar. Olhava de beira, margeando o visível, esgueirando o foco e procurando o chão.

Chegou como a miséria costuma chegar: invisível, anônima, desterrada. Tocou a campainha, entrou e foi logo lavando a louça e limpando as janelas. Não foi preciso ninguém mandar. Uma empregada exemplar. Ninguém lhe perguntou o sobrenome e o nome foi só pra constar. Depois arrumou as tralhas no quartinho dos fundos, pendurou na parede o terço e uma fotografia de sabe-se lá quem, e encolheu-se na cama. Dormiu de banda, retorcida como um galho torto, uma pedra lascada, um cotoco de gente. Sonhou com o sertão, com a terra dos olhos que olham sem olhar. Se fosse eu ou você a sonhar com esqueletos barrigudos e cadávares embalados em redes, certamente seria um pesadelo, mas pra Miséria era sonho.

Acordou antes do sol acordar. Pisou no chão com cuidado, temendo que o chão fosse se incomodar. Arrastou-se até a cozinha e preparou o café. Não o tomou. Esperou que todos acordassem e deixassem o resto. Que para Miséria não era resto, era o que tinha pra comer neste mundo de Deus. Os patrões não gostaram. Aguado demais! Abaixou a cabeça e sorriu. Miséria sorria quando era pra chorar. Voltou ao fogão e fez tudo de novo, sem reclamar. Uma empregada exemplar!

Vez por outra conversava com as paredes, contava histórias dos doze irmãos que ficaram no norte, lá pelas bandas da Paraíba. Narrava histórias de defuntos e mulas que soltavam fogo pelas ventas. De si, pouco falava. Não por não ter o que contar e sim por não querer incomodar. E se por acaso as paredes insistissem, ela respondia: "Que vida pode ter quem nem chegou a nascer?" E de nada adiantava tentar convencê-la deste engano, pois de tanto conviver com a morte, defunto, mula sem cabeça, cadáver barrigudo, ela acabou por achar que o mundo era dividido entre os mortos e os nascidos. E se fosse eu ou você a elaborar este pensamento, seria metafísica, mas para Miséria era fado mesmo!

Um dia Miséria da Paz procurou as paredes, mais animada do que de costume. Os olhos brilhavam e olhavam. As paredes perguntaram pelo motivo de tanta alegria. Miséria respondeu que ouvira dizer que o Salvador chegaria . Acostumadas com as histórias das almas penadas, as paredes desconfiaram que o advento do Salvador era coisa da sua imaginação. Mas não era! O filho do patrão, um sujeito metido a marxista, tiete de Fidel e Che, ia voltar de uma excursão lá pelos confins da Europa. Miséria pouco sabia de Marx, mas pelo que ouvia por detrás das portas, concluiu que o moço era o anjo anunciado por Conselheiro. O filho do patrão só podia ser o homem que ia fazer o mar virar sertão. De nada adiantou preveni-la de uma provável decepção. Miséria cismou que o rapaz era o anjo da sua tão esperada salvação.

Até que chegou o dia do advento do Salvador. Chegou empinado, ereto como um bambu, não olhou para Miséria e nem lhe deu bom-dia. Passou por ela sem vê-la, deixando um rastro gelado e uma catinga de senhor de engenho. Miséria conhecia o cheiro e sabia que era o bafo do Chifrudo. Benzeu-se três vezes e jogou sal pelas costas. O Salvador era o Tinhoso! Padre Cicero já havia avisado...

O tempo passou com Miséria evitando ser olhada pelo Rabudo. Tremia de medo quando ele parava do seu lado para pedir votos e prometer fartura. Um dia o medo foi tanto que chegou até a ver o rabo do Capeta. Pensou em ir embora, mas lembrou que não tinha pra onde ir. Foi ficando. Ela e o Tinhoso. O Tinhoso e Ela. De noite, rezava pra Padre Cicero, Conselheiro e São Marx (nunca consegui convencê-la de que Marx tinha horror às santidades). Depois agarrava o terço, fechava os olhos e lá se ia pras bandas dos mortos, dos não nascidos...

Um dia, o Salvador - que de salvação só conhecia a de si mesmo e a de sua carteira - acusou-a de roubar uma toalha de banho. Vixe! A toalha que secou os pêlos do Belzebu? A barriga da Miséria embrulhou e os cabelos arrepiaram. Mas ninguém percebeu. Foi mandada pro olho da rua no meio da noite. Não tinha nenhum lugar para ir. Saiu carregando a trouxa, um disco do Roberto Carlos e um porta-retrato com uma foto de São Marx. Nunca mais foi vista. Afinal, ela nem tinha nascido!

O Salvador tinhoso? Ah!...esse continua por aí, usando a miséria como cabo eleitoral e como comida para sua mesa farta...

Marcia Frazão

quarta-feira, junho 21, 2006

Egoísmo


O propósito da vida não é vencer.
O propósito da vida é crescer e compartilhar.



"O homem está aqui no interesse das outras pessoas - acima de tudo, daqueles de cujo sorriso e bem estar depende a nossa própria felicidade, bem como das incontáveis almas desconhecidas, cujo destino estamos ligados por um vínculo de solidariedade". (Albert Einstein)

segunda-feira, junho 12, 2006

Filhotes de Mel


Pois é pessoal,

A minha cachorra pulou a cerca e o resultado é que agora 9 lindos cachorrinhos precisam de um lar! Eles são todos muito fofos! 6 machinhos beges, 2 fêmeas marrons e 1 casal pretinho. Na verdade, 2 já foram adotados, então se vocês quiserem ou souberem de alguém que queiram um filhote, please, me avisem!!!

segunda-feira, maio 29, 2006

Coisas que precisamos aprender


1. Uma pessoa que é boa com você, mas grosseira com o garçom, não pode ser uma boa pessoa.(Esta é muito importante. Preste atenção, nunca falha).

2. As pessoas que querem compartilhar as visões religiosas delas com você,quase nunca querem que você compartilhe as suas com elas.

3. Ninguém liga se você não sabe dançar. Levante e dance.

4. A força mais destrutiva do universo é a fofoca.

5 . Não confunda nunca sua carreira com sua vida.

6. Jamais, sob quaisquer circunstâncias, tome um remédio para dormir e um laxante na mesma noite.

7. Se você tivesse que identificar, em uma palavra, a razão pela qual a raça humana ainda não atingiu (e nunca atingirá) todo o seu potencial, essa palavra seria "reuniões".

8. Há uma linha muito tênue entre "hobby" e "doença mental".

9. Seus amigos de verdade amam você de qualquer jeito(!).

10. Nunca tenha medo de tentar algo novo. Lembre-se de que um amador solitário construiu a Arca. Um grande grupo de profissionais construiu oTitanic.

terça-feira, maio 23, 2006

Canção de Amor


"Só pra dizer que te Amo,
Nem sempre encontro o melhor termo,
Nem sempre escolho o melhor modo.

Devia ser como no cinema,
A língua inglesa fica sempre bem
E nunca atraiçoa ninguém.

O teu mundo está tão perto do meu
E o que digo está tão longe,
Como o mar está do céu.

Só pra dizer que te Amo
Não sei porquê este embaraço
Que mais parece que só te estimo.

E até nos momentos em que digo que não quero
E o que sinto por ti são coisas confusas
E até parece que estou a mentir,
As palavras custam a sair,
Não digo o que estou a sentir,
Digo o contrário do que estou a sentir.

O teu mundo está tão perto do meu
E o que digo está tão longe,
Como o mar está do céu.

E é tão difícil dizer amor,
É bem melhor dizê-lo a cantar.
Por isso esta noite, fiz esta canção,
Para resolver o meu problema de expressão,
Pra ficar mais perto, bem mais de perto.
Ficar mais perto, bem mais de perto."

(Carlos Tê)

segunda-feira, maio 15, 2006

Para minha Gorda...


Pra minha mãe... que é a melhor de todas!!

Obrigada... pela força q vc me dá, pelas crises q vc acalma, pelas risadas nos fazem melhores, pelas brigas que nos fazem crescer, por todos os obstáculos vencidos, por vc me ensinar a lutar e seguir... sempre, pela saudade que conseguimos superar, pela falta que tentamos preencher, pelo amor que é recíproco e incondicional, pela família que é nossa fortaleza, pela vida... que é bonita porque eu tenho você!

Tentei englobar os agradecimentos maiores, até porque são muitos... e a cada dia tem mais! Você sabe o quanto te amo, o quanto preciso de você, o quanto você é importante!

Hoje


Hoje acordei bem disposta, com vontade de falar, emitir opiniões, esboçar críticas para logo depois redesenhá-las completamente em medidas várias de opiniões diversas. Acordei com vontade de ouvir e ver tudo à minha volta e teorizar e intelectualizar todas as experiências. Acordei com vontade de BLOGAR!

Sempre gostei de contar a todo mundo o que sinto por você. O que você significa pra mim. Mostrar o que há de você em mim. Mas sempre que quero falar de ti, parece que estou sendo aberta demais em relação a todos os meus sentimentos e começo a achar que pareço uma boba, bêbada de amores e com pouco juízo.

Não quero ser uma mulher insensível. Você me faz forte, mas também me deixa frágil em certas coisas. Isto é o amor. Do que eu gostaria mesmo era de poder falar sempre na terceira pessoa, e contar histórias sem princípio nem fim. Podíamos ser nós, mas também podíamos não ser. Ninguém tinha que saber.

quinta-feira, maio 11, 2006

ATCHIM!!!!!!!!


Butz, acho que beguei um resbriado daqueles... Que zaco! E o bior é que ainda denho que trabalhar o dia todo... Ibadinem só dar aula de inglês com o dariz entubido... E haja lenços de babel! Dudo o que eu bais queria agora era ficar em baixo das coberdas com o beu querido, tobando um chazinho e assistindo rebrises na TB.

Acho que bou ficar um tembo fora do ar...

Beijos a dodos... Obs! Dão bode dar beijo dão! Abenas um tchau de londe!!!

segunda-feira, maio 08, 2006

Kali - A força feminina


A Índia sempre me fascinou e acredito que também fascina muita gente. A diversidade e riqueza cultural que lá existe são tamanhas e seus deuses são impressionantes. Nesse artigo resolvi falar de Kali, uma das faces da grande mãe que muitas vezes é mal-interpretada. Espero que gostem!

Nós sabemos que desde a pré-história a deusa mãe é adorada como fonte de vida e fertilidade. Mas na Índia, ela só passou a ser a Grande Deusa, cheia de poderes cósmicos, a partir do século V ou VI, com a composição do Devi Mahatmya (Glória da Deusa), o que fez com que a adoração do princípio feminino adquirisse novas dimensões. Nesse texto, a deusa deixa de ser apenas a fonte misteriosa da vida e passa a ser a própria terra, que tudo cria e consome.

Durante uma batalha entre as forças divinas e anti-divinas, Kali aparece pela primeira vez no Devi Mahatmya, quando emana da testa da Deusa Durga, que é a caçadora de demônios. O nome Durga significa "Além do Alcance" e ela representa a autonomia virginal e cruel da mulher guerreira.

Kali é representada como uma mulher preta com quatro braços; em uma mão ela tem uma espada, em outra a cabeça do demônio que ela caçou, com as outras duas ela encoraja seus adoradores. Seus brincos são dois cadáveres e ela veste um colar de crânios; ela veste apenas um cinto feito de mãos de homens mortos, e sua língua fica pra fora da boca. Seus olhos são vermelhos, e seu rosto e seios estão lambuzados de sangue. Ela fica em pé, com um pé apoiado na coxa e outro no peito de seu marido.

Todo mundo fala da crueldade da aparência de Kali. Mas, apesar de sua forma cruel ser cheia de símbolos assustadores, as pessoas acabam por interpreta-los de maneira errada: o fato de Kali ser negra, por exemplo, simboliza sua natureza compreensiva e abrangente, já que preto é a cor na qual todas as outras cores se fundem; o preto as absorve e dissolve. 'Assim como todas as cores desaparecem no preto, também todos os nomes e formas desaparecem em Kali' (Mahanirvana Tantra). O preto também é a completa ausência de cor, significando também a natureza de Kali como a realidade última. No sânscrito isso é chamado de nirguna (além da qualidade e forma). De qualquer maneira, a cor preta de Kali simboliza sua transcendência de todas as formas.

Um poeta devoto diz:

"É Kali, minha Divina Mãe, de compleição negra?".
Ela parece ser negra porque é vista à distância;
mas quando finalmente conhecida Ela não mais o é.
O céu parece ser azul à distância, mas olhe de perto
e descobrirás que não tem cor alguma.
A água do oceano parece azul à distância,
mas quando chegas perto e a coloca em suas mãos,
descobrirás que é incolor."
... Ramakrishna Paramhansa (1836-86)

A nudez de Kali tem um significado parecido. Muitas vezes ela é descrita como vestida de espaço ou de céu. Em sua nudez absoluta e primordial ela é livre de qualquer cobertura de ilusão. Ela é Natureza (Prakriti em sânscrito), despida de roupas. Isso simboliza que ela é completamente além do nome e da forma, completamente além dos efeitos ilusórios de maya (falsa consciência). Sua nudez representa a consciência totalmente iluminada, não atingida por maya. Kali é o fogo brilhante da verdade, que não pode ser escondido pelas roupas da ignorância. A verdade simplesmente incendeia qualquer roupa que tenta cobri-la..

Ela possui os seios cheios; sua maternidade é uma criação sem fim. Seu cabelo desalinhado forma uma cortina de ilusão, o tecido do espaço-tempo que organiza a matéria do mar caótico de espuma quântica. Sua colar de cinqüenta cabeças humanas, cada uma representando uma das cinqüenta letras do alfabeto sânscrito, simboliza o depósito de conhecimento e sabedoria. Ela veste um cinto de mãos humanas cortadas - mãos que são os principais instrumentos de trabalho e por isso significam a ação do karma. Por isso os efeitos obrigatórios desse karma terem sido superados, cortados, como o foram, por devoção a Kali. Ela abençoou o devoto libertando-o do ciclo do karma. Seus dentes brancos são um símbolo de pureza (do sânscrito Sattva), e sua longa língua, que é vermelha, representa o fato que ela consome todas as coisas e denota o ato de provar ou apreciar o que a sociedade afirma ser proibido, ela aprecia todos os sabores do mundo.

Kali contém o ciclo completo de criação e destruição, e isso é representado por seus quatro braços. Ela representa os ritmos criativos e destrutivos inerentes ao cosmos. Suas mãos direitas, fazendo os mudras de "não temas" e concedendo dádivas, representam o aspecto criativo de Kali, enquanto as mãos esquerdas, segurando uma espada ensangüentada e uma cabeça cortada, representam seu aspecto destrutivo. A espada ensangüentada e a cabeça cortada são a destruição da ignorância e o amanhecer do conhecimento. A espada é a espada do conhecimento, que corta os nós da ignorância e destrói a falsa consciência (a cabeça cortada). Kali abre os portões da liberdade com essa espada, tendo cortado os oito elos que prendem os seres humanos. Finalmente seus três olhos representam o sol, a lua, e o fogo, com os quais ela consegue observar os três modos do tempo: passado, presente e futuro. É daí que vem a origem do nome de Kali, que é a forma feminina de 'Kala', o termo sânscrito para Tempo.

Um outro aspecto simbólico, mas que dá muito o que falar, de Kali é sua proximidade com o solo de cremação:

Ó Kali, Tu és afeiçoada aos solos crematórios;
então eu transformei meu coração em um
para que tu, uma residente de solos crematórios,
possas dançar lá sem cessar.
Ó Mãe! Não possuo outro vão desejo em meu coração;
o fogo da pira funerária está queimando lá;
Ó Mãe! Preservei as cinzas dos cadáveres ao redor
para que Tu possas vir.
Ó Mãe! Mantendo Shiva, o conquistador da Morte, sob Teus pés,
Venhas, dançando ao som da música;
Prasada aguarda com seus olhos fechados
... Ramprasad (1718-75)

A moradia de Kali, o solo crematório, é um lugar onde os cinco elementos (Sânscrito: pancha mahabhuta) estão dissolvidos. Kali mora onde a dissolução acontece. Em termos de devoção e adoração, isso mostra a dissolução de acessórios, raiva, desejo, e outras emoções, sentimentos e idéias que nos mantêm prisioneiros. O coração do devoto é onde tudo queima, e é nesse coração que Kali reside. O devoto faz sua imagem em seu coração e sob suas influências queima todas limitações e ignorância nos fogos crematórios. Esse fogo que queima dentro do coração é o fogo do conhecimento, (Sânscrito: gyanagni), presente de Kali.

A imagem de Shiva deitado sob os pés de Kali representa-o como o potencial passivo da criação e Kali como sua Shakti. Shakti é o princípio criativo feminino Universal e a força energizante atrás de todas as divindades masculinas incluindo Shiva. Shakti é conhecida pelo nome de Devi, da raiz 'div', que significa brilhar. Ela é a Brilhante, que possui nomes diferentes em lugares diferentes e com diferentes aparências, como o símbolo dos poderes doadores-de-vida do Universo. Sem o i, Shiva é Shva, o que em sânscrito significa cadáver. Isso sugere que sem sua Shakti, Shiva é impotente ou inerte.

Kali nos mostra como o mundo é apenas um jogo dos deuses. Ela traz em sua aparência selvagem a criatividade espontânea do reflexo divino. À medida que Kali é identificada com o mundo dos fenômenos, ela apresenta a corporificação do mundo que forma a base de sua natureza efêmera e imprevisível. Em sua dança louca, cabelo desgrenhado, e berro sinistro faz-se a alusão de um mundo vacilante, fora de controle. O mundo é criado e destruído na dança selvagem de Kali, e a verdade da redenção está na nossa percepção de que também somos convidados a fazer parte dessa dança, para permitir a batida frenética da dança de vida e morte da Mãe.

Ó Kali, minha Mãe cheia de Êxtase! Sedutora do
onipotente Shiva
Em Tua alegria delirante Tu danças, batendo
Tuas mãos juntas!
Tua és o Motor de tudo o que se move, e nós
somos nada senão Teus brinquedos
...Ramakrishna Paramhans

Kali e seu cortejo dançam aos ritmos ditados por Shiva (Senhor da destruição) e seus seguidores zoocéfalos que vivem no Himalaia. Associados com o caos e destruição incontrolável, os seguidores de Kali exibem espadas e carregam acima de suas cabeças cálices de caveiras de onde bebem o sangue que os intoxica. Kali, como Shiva, possui um terceiro olho, mas em todos os outros aspectos os dois são diferentes. Os membros negros e definhados de Kali, seus movimentos angulares e caretas cruéis carregam uma intensidade selvagem. Seu cabelo solto, colar de crânios e capa de tigre chicoteiam em torno de seu corpo à medida que ela bate os pés e as palmas ao ritmo da dança.

Muitas histórias descrevem a dança de Kali e Shiva como a que "ameaça destruir o mundo" por causa de seu poder feroz. A imagem de Kali dançando com Shiva segue o mito do demônio Daruka. Quando Shiva pede que sua mulher Parvati destrua esse demônio, ela entra no corpo de Shiva e se transforma com o veneno que é armazenado em sua garganta. Ela emerge de Shiva como Kali, de aparência feroz, e com a ajuda de seu cortejo bebedor de sangue ataca e derrota o inimigo. Kali, no entanto, ficou tão intoxicada com o entusiasmo pelo sangue da batalha que sua fúria e apetite selvagem ameaçaram destruir o mundo todo. Ela continuou sua violência até Shiva manifestar-se como uma criança e cair chorando no meio do campo de cadáveres. Kali, enganada pelo poder de ilusão de Shiva, tornou-se calma à medida que amamentava o bebê. Quando a noite chegou, Shiva fez a dança da criação (tandava) para agradar a deusa. Deliciada com a dança, Kali e seu cortejo juntaram-se a ela.

Essa imagem impressionante e intensa revela perfeitamente a natureza de Kali como a Divina Mãe. Ramaprasad expressa esse sentimento da seguinte forma:

Veja minha Mãe brincando com Shiva,
perdida num êxtase de prazer!
Bêbada com um gole do vinho celestial,
Ela oscila, e mesmo assim não cai.
Ereta Ela permanece no peito de Shiva,
e a terra Treme sob Seu passo;
Ela e Seu Amo estão loucos em frenesi.
Afastando todo medo e vergonha.
... Ramaprasad (1718-75)

Até hoje os devotos de Kali são atraídos para ela por causa de suas qualidades humanas e maternais. Nas relações humanas, o amor entre mãe e filho é geralmente considerado o mais puro e mais forte. Da mesma maneira, o amor entre a Deusa Mãe e sua criança humana é considerado a relação mais próxima e carinhosa com a divindade. Conseqüentemente, os devotos de Kali formam com ela um laço de intimidade e amor. Mas o devoto nunca esquece os aspectos demoníacos e assustadores de Kali. Ele não distorce a natureza de Kali e a verdade que ela revela; ele não se recusa a meditar em seus traços apavorantes. Ele os cita repetidamente em suas canções mas nunca é repelido por eles. Kali pode ser assustadora, louca, a mestra descuidada de um mundo fora de controle, mas ela é, apesar de tudo, a Mãe de tudo. Como tal, ela deve ser aceita por suas crianças - aceita com admiração e pavor, mas mesmo assim aceita. O poeta, num tom íntimo e iluminado, trata a Mãe da seguinte forma:

Ó Kali! Por que Tu perambulas nua?
Tu não tens vergonha, Mãe!
Vestes e ornamentos Tu não tens nenhum;
no entanto Tu te gabas em ser a filha do Rei.
Ó Mãe! É um mérito de Tua família que Tu
Coloques teus pés em Teu marido?
Tu estás nua; Teu marido está nu; ambos vagam pelos solos de cremação.
Ó Mãe! Estamos todos com vergonha de você; coloque tua veste.
Tu jogaste fora Teu colar de jóias, Mãe,
E vestes um colar de cabeças humanas.
Prasada diz: "Mãe! Tua beleza cruel assustou
Teu consorte nu.
... Ramaprasad

A alma que venera sempre se torna uma criança: a alma que se torna uma criança encontra Deus mais freqüentemente como mãe. Numa meditação antes do Sagrado Sacramento, alguma caneta escreveu essa excelente declaração: "Minha criança, você não precisa saber muito para agradar-Me. Apenas Me ame querido. Fale comigo, como você falaria com sua mãe, se ela o tivesse em seus braços."

Nos só ganhamos a dádiva de Kali quando aceitamos ou confrontamos as realidades que ela envia pra nós. Kali, de diversas formas, ensina-nos que dor, mágoa, decadência, morte e destruição não devem ser superadas ou conquistadas com a negação ou tentando explica-las. Dor e mágoa são tecidos na textura da vida humana tão intrinsicamente que nega-los é extremamente vão. Para que nós consigamos realizar a completude de seu ser, para que exploremos nosso potencial como seres humanos, devemos finalmente aceitar essa dimensão da existência. A dádiva de Kali é a liberdade, a liberdade da criança de aproveitar o momento, e só é conquistada após o confronto ou aceitação da morte. Se ignoramos a morte, fingimos que somos fisicamente imortais, fingimos que o ego é o centro das coisas, provocamos em Kali uma risada de deboche. Se confrontamos ou aceitamos a morte, ao contrário, compreendemos um modo de vida que pode encantar-nos e divertiremo-nos com o jogo dos deuses. Aceitando a mortalidade estaremos prontos para ir, cantar, dançar e gritar. Kali é a mãe de seus devotos não porque os protege da maneira que as coisas realmente são, mas porque ela revela a eles sua mortalidade e com isso liberta-os para agir com plenitude e livres, liberta-os da inacreditável teia de ligação que são a pretensão, praticidade e racionalidade adulta.

terça-feira, abril 25, 2006

Proteção



Jorge sentou praça na cavalaria
eu estou feliz porque eu também sou da sua companhia

Eu estou vestido com as roupas e as armas de Jorge
Para que meus inimigos tenham maõs e não me toquem
Para que meus inimigos tenham pés e não me alcacem
Para que meus inimigos tenham olhos e não me vejam
E nem mesmo o pensamento eles possam ter para me fazeram mal

Armas de fogo meu corpo não alcançarão
Facas e espadas se quebrem sem o meu corpo tocar
Cordas e corentes se arrebentem sem o meu corpo amarrar
pois eu estou vestido com as roupas e as armas de jorge
Jorge é de capadócia
(Caetano Veloso)

Transgênicos SIM!


Não, isso não é uma convocação para o próximo referendo que vai autorizar a comercialização ou não dos alimentos geneticamente modificados. Até porque eu espero que o governo não coloque nas mãos do povo brasileiro (em sua grande maioria desinformado) a decisão de permitir ou não o progresso científico, já basta colocarem analfabetos para escolherem o presidente (também analfabeto)... O que eu pretendo com esse artigo é mostrar que os alimentos transgênicos não são altamente periculosos, como gostam de afirmar alguns ecochatos, e que, ao contrário, podem ser a única alternativa para a alimentação da população mundial em alguns (poucos) anos.

Pra começar, vou explicar o que vem a ser um alimento geneticamente modificado. Em primeiro lugar, o homem já vem modificando geneticamente as plantações e criações há mais de 10.000 anos, a partir da reprodução seletiva. Ou seja, escolhe-se, por exemplo, as espigas de milho que mais produzem e mais resistem às pragas e as cruzam entre si, para originar espigas cada vez maiores e melhores. Pois é, ou você acha que os índios brasileiros colhiam espigas como as que comemos hoje? E, querendo ou não, isso É alteração genética. Para se ter uma idéia, as plantas e animais domésticos atuais foram tão modificados geneticamente, que dificilmente sobrevivem sem intervenção humana. Mas o que os cientistas estão fazendo hoje é um pouco diferente. Com o advento da técnica do DNA recombinante, é possível escolher as características que se quer dar a um organismo independente de cruzamentos. Dessa maneira, ao invés de ficar cruzando indefinidamente linhagens diferentes de milho, você pode simplesmente inserir nele um gene que faz com que sua produção aumente, e outro gene que o torne resistente a uma praga determinada e específica.

O problema é que as pessoas acreditam que o mundo científico é completamente desprovido de ética (confundem-no com a esfera política). Além disso, há limites impostos pela tecnologia ainda recente. Só que a mente das pessoas é extremamente criativa, e como na imaginação as pessoas sempre reencontram com seus mitos, logo imaginaram Frankenstein passeando pelas ruas, com genes de um e de outro escolhidos e introduzidos aleatoriamente no ser humano. Até mesmo Watson, que descobriu a estrutura do DNA e fundou por conseqüência a genômica, incitava a imaginação, chamando os novos seres produzidos pela engenharia genética de quimeras.
O que geralmente não é dito é que a própria comunidade de pesquisadores, que participaram dos experimentos fundadores, tomaram a decisão de declarar uma moratória científico-tecnológica e de promover a adesão a ela da comunidade internacional enquanto não se estabelecessem diretrizes e normas seguras para as pesquisas na área.

A famosa Conferência do Monte Asilomar, nos EUA, em 1975, formalizou essa decisão e promulgou a necessidade de se manterem sob rigorosas condições de proteção e de isolamento todos os experimentos de recombinação genética e os organismos deles resultantes pelo tempo necessário à produção de certezas de que não seriam nocivos à humanidade e ao meio ambiente.
Mas quais são os riscos reais que os transgênicos oferecem? Na verdade, nenhum risco maior que qualquer outra técnica de manejo. O que se diz, na campanha contra os transgênicos, é que eles não são seguros ou estáveis, levando a população a pensar que ao comer um alimento transgênico está correndo o risco de que os genes inseridos de repente "pulem" do alimento para o organismo. Ora pois, já vi muita gente com cara de feijão por aí, mas isso não se deve ao fato de terem comido uma feijoada no boteco de Zé no último sábado. Isso é impossível de acontecer. O que realmente é um risco é que, ao tornar as plantas mais resistentes, tornam-se resistentes também as pragas que atacavam a planta. Mas, não é exatamente isso que fazem os agrotóxicos? E com um ônus muito maior, poluindo solos, rios e, algumas vezes, até lençóis de água.

Deve-se também levar em consideração o lugar em que vivemos. A economia do Brasil é baseada e completamente dependente do agronegócio. O que acontece se descartarmos a possibilidade de utilizar a tecnologia dos trangênicos na produção de grãos daqui? Ficaremos, mais uma vez, pra trás... Tem que se aproveitar o momento, não adianta correr atrás do ônibus depois que ele passa. E o momento é agora. Momento de progredir cientificamente, sem deixar que ecochatos sem instrução científica fiquem passando adiante para a população desinformada achismos sem cabimento.

Então, da próxima vez que você for devolver um produto para a prateleira por ele conter transgênicos, pense duas vezes. Você pode estar comprometendo o futuro da ciência brasileira.

Por isso Transgênicos: VOTE SIM!

terça-feira, abril 11, 2006

Porto Seguro


Depois que ancorei em seu porto, mandei queimar meu navio...

quinta-feira, abril 06, 2006

terça-feira, abril 04, 2006

Minha rosa cor de rosa



O dia hoje está perfeito. Não fossem as aulas que eu tenho que dar, raptaria meu namorido e iria com ele à nossa praça. Sentiríamos o vento agradável que sopra e nos sentaríamos no nosso banco, deixando que a luz, filtrada pelas folhas, de leve queimasse nossa pele. E assim ficaríamos toda a tarde, como ficamos uma vez... O outono pede decisões e por isto, pode ser triste. Mas não o meu. Sou feliz como nunca fui antes! Para mim, os Ares de outono significam que daqui pra frente tudo só melhora! Apenas vou seguindo a direção já estabelecida. Vou para frente, sempre. Afirmo lasciva e deliciosamente que minhas letras são dele. E, o futuro, será como hoje! Ou como hoje deveria ser...

Beijos e folhas secas desta estação que a cada dia se apaixona mais e mais pelas letras e tenta a todo custo ser feliz...

No outono desta vida recomponho
As horas que de novo viveria
Se pudesse voltar aquele dia
Que me semelha o espaço deste sonho

(Manoel Bandeira)

sábado, abril 01, 2006

Palavras Indígenas II

Narrativas sobre a origem do mundo




O Irmão de Eva – Sateré-Mawé

Vidal, rio Manjuru (AM) – 1996

Antigamente a gente não morria, porque todos nós, índios, morávamos lá, no nusoquen [terreiro de pedra]. Lá foi a primeira terra que nós habitamos.

Mas foi depois que existiu a morte, que a irmã dele morreu, quando ele abandonou essa casa primeira, que ele convidou o Adão. Tupana mandou eles saírem de lá, daquela paragem. “Olha, Adão, chama teu povo para siar daí, daquela paragem”. Ele falou assim: “Adão, chama teu povo para continuar, para ele ir embora, para sair daí. Vai ter muitas frutas pelas matas que vocês vão atravessar. Mas eu não quero que vocês fiquem se entretendo. Eu vou na frente”.

Ele insiste: “Vocês vão ter muita fruta, mas vocês não vão se entreter”. Mas o Adão é teimoso. Quando ele chegou lá, numa fruteira, ele trepou e foi cortar o galho da fruteira. Lá o povo dele se entreteve, quando eles seguiram, seguiram e seguiram. De noite já, eles encontraram uma sorveira. Estava cheio de fruta, ele derrubou e eles demoraram mais uma vez. Eles já estavam na viagem, mas ficavam se entretendo por aí. Encontraram também uma árvore de caramuzeiro e lá o Adão trepou de novo. E em vez deles seguirem na frente, sem se entreter, não, eles se pararam na fruta até o anoitecer. Lá eles acamparam e, quando foi de dia, seguiram. Encontraram logo uma bacabeira e apanharam muita bacaba. Aí, eles se entretiveram, fizeram um bule de vinho e o beberam todinho. Lá eles fizeram um barraco, de novo, para dormir. Quando se lembraram que Deus lhes tinha mandado ir na frente: “Podem ir embora, que tal dia eu vou pra lá”. Aí nessa lembrança, ele disse: “Eu não disse para vocês irem embora? Para quando eu chegasse, eu ia fazer um barco, uma canoa”. O velho veio por onde eles vieram. Por onde eles vieram, Deus passou também. Lá, ele encontrou de novo uma árvore derrubada. “Puxa vida, eles não me ouviram. Bem que eu falei para eles que não se entretivessem nas coisas”. Ele andou um pouquinho e lá encontrou, de novo outra ávore derrubada. Lá, ele achou foi barraco. “Aqui, eles ficaram”. Ele andou, andou, de novo e lá ele encontrou outra fruteira derrubada. “Puxa vida; o Adão não me ouviu que eu falei para não se entreter com o pessoal dele. Eu disse a ele que, à tarde, eu ia lá com eles. Quando chegasse lá, já ia estar pronto para ir embora”. Ele os encontrou, lá onde tinham se entretido: “Puxa, Adão, você não ouviu o que eu disse para você. Eu falei para você vir embora. Então, eu já vou”. E ele passou na frente e eles ficaram para trás. “Eles ficaram para trás, porque o Adão não ouviu o que eu lhes disse”. Durante a sua viagem, ele falou a um passarinho weitapin “joga no caminho um bocado de serrado para eles não descobrirem mais por onde eu fui”. De repente, o seu rasto ficou coberto e eles não souberam mais por onde seguí-lo.

Quando chegou na beira do rio, ele atravessou – ele é poderoso, né? Era um rio bem grande. De repente ele transformou uma pedra numa cachoeira e eles não conseguiram mais passar. Eles chegaram até a beira, lá eles corriam de um lado para o outro e gritavam: “Ei! Para onde que vocês foram!? Para onde que vocês foram!? Como que vocês atravessaram!?”. E escutaram o baque; era que estavam fazendo navio para eles irem já, para irem para fora. Porque Deus fez aquele barco para eles irem embora. Mas o Adão, que não ouviu conselho, ele ficou. E ele chamou, chamou. Até que Deus respondeu: “Olha, Adão, eu já não dei conselho para ti? Para tu me seguir com teu povo, mas tu não me ouviste. Tu vais ficar”. Ele chamou mais ainda, e Deus respondeu do outro lado: “Olha, Adão: Eu achei melhor que você ficasse mesmo. Porque se nós abandonarmos toda a nossa terra, não iria dar certo. Vocês têm que trabalhar. Vocês têm que voltar. Tu tens que dizer para a tua mulher, para Eva: É melhor que nós vamos embora para nossa casa. Porque ele convidou, mas nós não ouvimos o conselho, então nós temos que voltar, nós temos que trabalhar muito porque nós temos muita plantação [sese motpap ipoityp mikoí]”. Aí, eles cuidaram de ir de novo para lá de onde eles vieram. Se eles tivessem ouvido o conselho de Deus, nós não íamos ficar como nós, na mata. Nós não íamos trabalhar na roça. Mas nós não aproveitamos nadinha.

Aqueles que foram com Deus, estão trabalhando para irem embora. Mas eles não, os que ficaram, se entretiveram na fruta. Ela se lembrou e disse: “Eu tenho um irmão que me deu machado, terçado, ferro de cova, e eu deixei; por isso nós temos que ir embora de novo”. Disse Eva, convencendo seu marido.

O passarinho tikwã [Mimus gilvus. Mimidae] estava dizendo, cantando lá em cima do barco deles: “tikwã, tikwã”: “Olha, não demora: a chuva já vai arriar”. Aí o Imperador, que era o secretário de Deus, o velho, disse: “Mas o que diacho esse passarinho está adivinhando!?”. E se pôs a ralhar com ele, achando que estava mais do que abusado da cara. Aí, falou umas coisas para o tikwã. E este respondeu: “Não, esse barco de vocês está para sair, para vocês ir embora”. O Imperador falou para ele não cantar mais perto dele. Deus tirou o livro de debaixo do braço. Puxou e aí, o Imperador olhou e disse: Está certo, o que Deus falou está certo. É o dia mesmo. Aí, não demorou e a chuva arriou. Aí criou aquela grande água, lá onde o navio estava. Choveu, choveu, choveu, até que conseguiu sair aquele braco de lá, de cima da terra. Aí eles se embarcaram e foram embora, se escondendo da morte.

Eles foram embora se esconder de muitas doenças. O vento é que transmite a doença: de muito longe vem febre, gripe, tudo quanto é doença. Eles se queriam esconder de tudo isso, mas não teve jeito.

Toran

O Imperador era Índio

Alfredo Barbosa (Porto Alegre, rioAndirá, AM, 1996)

A primeira pessoa que nasceu foi tapuya, depois foi o karaiwa. Por isso que os tapuya-in ficaram como donos da mata na'apy kaiwat, eles moram na própria tera mesmo. Depois apareceu uma pessoa, "o Imperador" que disse que era para eles não ficarem na mata e sim para irem para yarupap ["lugar onde estão encostados os barcos"]... "Lá... não sei para onde".

O Imperador falou: "Vamos embora para baixo, para fora". Lá foram eles, foram andando, mas encontraram fruteiras e ficaram entretidos e deixaram de caminhar. O Imperador foi na frente e chegou no barco e esperou lá muito tempo. Mas como o povo não chegava, ele convidou a nação waçaria ("Sapos")1, para remar para ele. Na época não existia motor. E se foram para ywysasare2. O Imperador era índio. Ele deu a educação we'eghap [conhecimento, saber]. Ele disse: "Vocês aprenderão fazer muita coisa". Os que foram remando, a nação sapo [waça], ficou na cidade [tawa wato: aldeia grande] e nós ficamos aqui no mato. Eles deram origem aos brancos como vocês, aos japoneses, americanos, são todos magka?i, aquele sapinho branco. Lá ele deu inteligência para fazer avião, rádio, televisão. Ele achou que era bom que tapuya ficasse cuidando de tanta riqueza que tinha nos matos e disse que um dia ele mandava alguém trazer espingarda, machado, terçado, máquina, machado novo, para trocar por produto. São os regatões. Ele disse que um dia ia contribuir com essas coisas que hoje estão nas cidades e que o regatão traz. Morekuaria mit po'oro koi, isto é o que as autoridades mandam.

Toran

1- Um dos numerosos clãs (ywaniaria) que constituíram o povo Sateré-Mawé.
2- Expressão antiga traduzida como "para fora".


Uruhe’i e Maripyaipok

Dona Maria Trindade Lopes (Vida Feliz, rio Andirá, AM, 1996)

Existiram dois irmãos que iam descendo quando o imperador o chamou para descer pra fora (à jusante). Uri era o nome da mulher, mas como quando iam descer ela cochichou [‘he?i-‘he?í] ao ouvido do irmão que ela tinha esquecido uma coisa: o seu banco, foi chamada de Urihe?i: Uri cochichou: Urihe?i-he?i. O irmão dela chamava Mari, mas como ele voltou, também a causa do apelo da irmã, chamaram ele Mari-aipok: Mari voltou: Mari py aipok: [Mari pé voltou]. Uri era o nome de Eva em língua sateré. Dela surgiram todos os sateré.

Toran

sexta-feira, março 31, 2006

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DA ÁGUA




1. A água faz parte do patrimônio do planeta. Cada continente, cada povo, cada região, cada cidade, cada cidadão é plenamente responsável aos olhos de todos.

2. A água é a seiva do nosso planeta. Ela é a condição essencial de vida e de todo ser vegetal, animal ou humano. Sem ela não poderíamos conceder como são a atmosfera, o clima, a vegetação, a cultura ou a agricultura. O direito à água é um dos direitos fundamentais do ser humano: o direito à vida, tal qual é estipulado no Art. 30 de Declaração Universal dos Direitos Humanos.

3. Os recursos naturais de transformação da água em água potável são lentos, frágeis e muito limitados. Assim sendo a água deve ser manipulada com racionalidade, preocupação e parcimônia.

4. O equilíbrio e o futuro de nosso planeta dependem da preservação da água e dos seus ciclos. Estes devem permanecer intactos e funcionando normalmente, para garantir a continuidade da vida sobre a Terra. Este equilíbrio depende, em particular, da preservação dos mares e oceanos por onde os ciclos começam.

5. A água não é somente uma herança dos nossos predecessores, ela é sobretudo um empréstimo aos nossos sucessores. Sua proteção constitui uma necessidade vital, assim como uma obrigação moral do Homem para as gerações presentes e futuras.

6. A água não é uma doação gratuita da natureza, ela tem um valor econômico: é preciso saber que ela é, algumas vezes, rara e dispendiosa e que pode muito bem escassear em qualquer região do mundo.

7. A água não deve ser desperdiçada, nem poluída, nem envenenada. De maneira geral, sua utilização deve ser feita com consciência e diascernimento, para que não se chegue a uma situação de esgotamento ou de deterioração de qualidade das reservas atualmente disponíveis.

8. A utilização da água implica o respeito à lei. Sua proteção constitui uma obrigação jurídica para todo o homem ou grupo social que a utiliza. Esta questão não deve ser ignorada nem pelo Homem nem pelo Estado.

9. A gestão da água impõe um equilíbrio entre os imperativos de sua proteção e as necessidades de ordem econômica, sanitária e social.

10. O planejamento da gestão da água deve levar em conta a solidariedade e o consenso em razão de sua distribuição desigual sobre a Terra.

(fonte: Universidade da Água http://www.uniagua.org.br )

segunda-feira, março 27, 2006

O que buscam os neopagãos?



O Cristianismo começou como uma religião de oprimidos. Romanos e judeus dominavam os tesouros e riquezas e às mulheres e aos escravos não restava alternativa que não fosse a subserviência. Logo, a nova religião transformou-se na saída possível, já que aceitava a todos como filhos de um mesmo pai. No entanto, com o tempo tal cenário foi se modificando. As classes dominantes tomaram para si o controle do cristianismo a fim de subjulgar os mais fracos. Assim se passaram os últimos 1.500 anos da história.

Mas o que tem se visto nos últimos 50 anos é uma "não-tolerância" a essa dominação. A população começa a questionar a necessidade de um intermediário no contato com o divino e busca, nas crenças anteriores ao cristianismo, uma maneira de espiritualizar-se.

Com o desenvolvimento dos estudo arqueológicos e antropológicos, chega ao conhecimento destes como viviam os povos pré-cristãos, e na tentativa de resgatar esse contato direto com o divino é que nasce o atual movimento Neopagão.

Mas quais são as bases desse novo modo de ver o mundo? De início, tem-se a religação com a natureza. Os povos primitivos eram, em sua maioria, agrícolas, e era no ambiente onde viviam que buscavam seus deuses. Daí surge o próximo conceito, que seria a sacralidade diária. Assim, os deuses se manteriam e apresentariam na rotina e no habitat de seus cultuadores. O ato de viver torna-se sagrado. Dá-se mais valor aos processos naturais como o alimentar-se, envelhecimento, contato sexual etc.

A partir da observação mais próxima dos processos naturais e da Natureza em si, vem a consciência da não-existência da bipolaridade "bem/mal" ou, no antigo conceito judaico-cristão, "Deus/Diabo". Passa-se a perceber a multipolaridade ou totalidade dos processos naturais. Dessa maneira extingue-se o conceito de Pecado.

As religiões monoteístas afirmam que o "agir mal", ou agir em oposição à doutrina, afasta a pessoa da divindade e a leva de encontro ao personificador do mal, ou Diabo. Para se ver livre desse pecado, o cristão, judeu ou mulçumano tem de recorrer ao auxílio de um sacerdote. Somente este tem o contato com o divino e o poder de lavar a alma do pecador e encaminhá-la ao Paraíso, para sua libertação.

Já o paganismo, ou neopaganismo, ao eliminar o pecado e ao trazer a divindade ao cotidiano, elimina também a necessidade de um intermediário, ou sacerdote. Cada um passa a ser o seu próprio sacerdote, e a manter contato direto com os deuses que cultua.

A sacralização do corpo e do habitat só traz resultados positivos. O neopagão não age pensando no Paraíso ou no contato com Deus post-mortem. Pelo contrário, respeita a si e ao meio-ambiente, sabendo serem estas a moradas de seus deuses.

Logo, como ser neopagão nos dias de hoje? A palavra-chave é EQUILÍBRIO. É isso que se deve buscar. Não é vantajoso ser "bonzinho" para assim atingir o Éden. Deve-se criar a consciência de que o Jardim Encantado é aqui e que, somente preservando-o, há que se viver bem.